15 de maio de 2000
Errância

"A mala é a medida do homem" - tornou-se a minha máxima, o lema que me tem orientado a vida. E na seguinte proporção: quanto menor a mala, melhor o homem. Melhor quer dizer mais livre. Pois, numa cultura cada vez mais globalizada e digital, onde nada se fixa ou dura o bastante para se constituir em identidade ou história, liberdade significa mobilidade.

Internet rima é com avião. Acabou: toda a memória de um homem - seus livros, discos, fotos e filmes - tudo isso que antes, a uma geração atrás, significava a sua casa - hoje não ocupa mais do que meia dúzia de cds de alta densidade. Laptops e airline tickets - tudo mais é descartável e substituível. Jeans, t-shirts, tênis.

O trabalho, a escola, a casa - "coisas" que se levam para qualquer lugar, pois já não existe mais lugar. De novo, em inglês, pois é inevitável: nowhere now here. Aqui é qualquer lugar, agora é sempre. Acabou...

Rio, Nova Iorque, Paris, Atenas, Bali... Tanto faz, questão de horas, ainda mais se você for capaz de dormir em avião. Adormeça em Roma e acorde em Nairobi. Teleconferências, e-mails, websites - onde está voce agora?

Aliás, quem é você, afinal? Ou melhor: de que você de fato precisa? Diga-me o que usas e eu te direi quem és...Diga-me onde compras e eu te direi o quanto pesas. E quanto mais pesado, menos livre.

Prepare-se para a grande inversão: só o que não tem valor interessa. Um Versace compra quantas passagens pro Taiti? Ou melhor: quanto dura um Versace? Melhor ainda: você ainda está aqui?

Repetindo: a mala é a medida do homem - princípio primeiro de uma nova escola peripatética que tem o movimento por verdade, a errância por conclusão e a mobilidade como bem supremo.

Parece complicado? Ninguém mais fala inglês em Nova Iorque. Da mesma maneira como o latim degenerou em francês, italiano, português, espanhol, em NY o que se fala é uma infinidade de dialetos derivados do inglês - e só por isso compreensiveis entre si.

Babel, Babel - você pode repetir cheio de comovida ironia vendo o topo das torres gêmeas coberto pela neblina na noite fria. Você pode vir para ver - custa só 660 dólares, em dez vezes sem juros. Voce gasta isto todo mês em bobagens... Seu trabalho? Você precisa mesmo estar aí? Pense nisso... Você vai acabar descobrindo que "aí" virou uma espécie de preconceito...