22 de maio de 2000
Sem piedade

Impiedosamente, deve-se estar onde o coração manda.
Impiedosamente - será?

Claro, o acréscimo da impiedade amarga a dulcíssima ilusão de que nossa vontade não há de ter sempre um custo para alguém... Mas, se na intensidade de seu querer, esse mesmo coração quer tudo? Se, em sua angústia de preenchimento, esse mesmo coração exaure a cada um e para outro salta - amando sempre o próximo, já sem quase nexo?

Como pode o coração estar onde quer se são tantas as máscaras, genuínas máscaras - todas lá dentro, simultâneas, mas condenadas a só poderem ser uma de cada vez ... E a cada vez, sempre lá todas as outras, forças que se anulam de tal modo que nunca pode haver inteireza - e então o que há é a sensação do vazio que resulta da anulação - sensação que está sempre ali, só ela sempre, a lembrar que esse tal coração tornou-se um palco e que a soma de tantas máscaras acaba, enfim, por constituir um elenco e um repertório... Mera repetição, portanto. Tranquilizadora até, como um último vestígio de poder e de controle...

Impiedosamente, esse mesmo coração volta-se contra si para enfim querer apenas estar onde está e conclui exausto que deve de fato esvaziar-se.