Versos íntimos
Vês?
Ninguém reparou no lento naufrágio
Do que ainda ontem chamavas de amor
Somente a solidão - este pendor -
Te multiplicava nos espelhos por contágio.
Acostuma-te à indiferença e
à falta de valor.
Este mundo é uma espécie de
estágio
Onde aquele que reclama ser mais frágil
Quer apenas barganhar com a própria
dor.
Toma
um fósforo. Acende essa parada.
O beijo, amigo, é véspera de
nada.
A mão que afaga é mesma que
te acena adeus.
E
se outra boca pede os beijos teus
Ou se outra mão te afaga,
Aproveita, que no amor não há
outra paga.
Apontamentos de anatomia fantástica
O
homem é feito de corpo, olhos e alma.
Olhos são toda a pele que o recobre
em modos diversos de sentir.
Mas tudo nessa pele é ver e é
também o que dele, homem, se mostra.
O corpo e a alma, ao contrário, não
são visíveis.
Sabemos
que estão lá, no fundo, urdindo
em segredo o que em parte nos olhos se mostra.
Mas não se dão a ver - nem o
corpo, nem a alma.
E onde começa um e acaba o outro, não
sabemos.
Do
corpo, nos ensina a morte, a doença,
a mutilação.
Da alma, sequer sabemos como chegamos a deduzi-la
da dor, da alegria e do êxtase.
Mas é tamanho o fervor com que nela acreditamos, que é certo que esteja lá, tão secreta quanto o coração, as vísceras e tudo mais que nunca chegamos a ver do que cremos ser o corpo.