14 de agosto de 2000
O apaixonado

O apaixonado, imune ao tempo,
embriaga-se com o poder fácil de alguns tostões
e imagina-se um mandarim comprando flores.
E o que vê?
O pulsar da vida
no valsar das nuvens e no vai-e-vem do mar.

O apaixonado caminha no ar,
a dois dedos do chão.
A carne saciada, mas desperta,
Abriga a alma atenta,
Afiada no gume de muitos perfumes:
O apaixonado fareja o acaso,
koan esfacelando o prato em mil pedaços

O apaixonado - apaixonado, apaixonado - pensa:
"Tudo é lindo!".
E conclui:
"Tudo é tão único que só pode ser eterno".
E quem não te percebe a inocência
é doente do olhar ou talvez nem saiba o que é amar

Porque amar é amar tudo:
impossível querer mais do que o presente,
infinito instante que se estende - o amor,
infinitivo, reverbera, ignorando os tempos:
o passado guarda-se no olvido,
matéria que a imaginação fará sonho e não futuros..

(O apaixonado é todo corpo, espiritualmente,
pois sua alma dança)

***

Este poema era para ter sido publicado junto com o da semana passada. Mas não havia espaço suficiente. A idéia era mostrar que a percepção de que não há vazio sempre está ao nosso alcance - e ainda mais claramente nos momentos extremos: seja no auge da paixão, seja no seu fim. Não há vazio. O que experimentamos é a comunhão ou a ruptura com o mundo. De um modo ou de outro, a conclusão que emerge desses sentimentos é de que não somos de fato alguém. Ou melhor, que isso que pensamos ser - esse nome e sobrenome decorado de números - é uma ilusão e um fardo que tanto a dor como o amor nos exigem superar.