9 de abril de 2001
Sambinhas

É óbvio que eu já fiz os meus sambinhas... Trata-se de um gênero literário que um carioca pretendente a escritor não pode deixar nunca de experimentar - espécie de prova de valor, medida de qualidade, candidatura lançada à humana eternidade de ser, quem sabe, um dia, nome de praça ou rua de subúrbio.

Como também é notória a preguiça deste autor e aceitável em qualquer cronista o argumento da falta de assunto, vou me permitir a oportunidade de exibi-los, visto que qualquer profissional da escrita, se a criatividade e o improviso não o socorrem em face de urgência das impressoras, pode e deve recorrer ao repertório que já trás de si - como costuma ocorrer quando nos faltam palavras e o silêncio se estende constrangedor, ameaçando pesar mais do que devido e esperado, céu sem vento que se enche de nuvens.

São sambinhas que fiz de parceria com outro Antonio, o Guapiassu, violonista de mão cheia, com o perdão do trocadilho, que é a minha maneira de dedilhar com as letras, o máximo que sei fazer em música com este meu ouvido datilográfico, tatibitati intuitivo e um tanto surdo: eu fazia os versos e o Antonio me emprestava a grandeza de sua música que sabe traduzir em tonalidades o sentido das palavras, pois graves e agudas também são as palavras e as idéias. Fizemos outros, mas não há espaço para todos.

Vício

Se eu sou um vício, meu amor,
A minha ausência
Há de ser um suplício
Bem maior do que a presença.

Por isso, meu amor, me dê licença
Ao corpo de cumprir o seu ofício
E dele dar o que demais te delicia.

Vamos deixar de lado a hipocrisia:
Enquanto houver amor é sempre início.
Sem fantasia a vida fica mais dificil
E ela é muito curta para tanto sacrificio.

Por isso, meu amor, me dê licença
Ao corpo de cumprir o seu ofício
E dele dar o que demais te delicia.

Perdão

É de lembranças que teço
A mortalha que um dia
Há de agasalhar
Meu corpo em agonia.
Por isso, escolho os melhores pedaços
Desse pano de memória e sonho
Que o simples passar da vida
Vai me deixando impresso,
E que um dia há de ser minha alma
Ou herança escrita em versos.

Por que então por que então não te perdoaria,
Se você já me deu tanta alegria?
Não vou mentir, desta vez doeu
Mas pra que cantar desilusão,
Se o coração há de deixar pra trás
A dor como um retrato
Em que a luz faltou ou foi demais.

Manhã

Manhã... Agora como vai ser?
Você e eu sem saber:
"Voltar?". "Voltei?". "Nem sei..."

Tentei viver sem você.
Perdi todo o prazer.
Pensei: "enfim, esqueci"
Aí, vem você,
Esconde o sol com a cortina
E me ensina de novo a querer
Vai ver, te amar é uma sina, não sei...

No amor não é dizer "não",
Nem é também dizer "sim".
No amor é sempre "talvez" e "enfim".