21 de maio de 2001
A solidão de cada um

O vento arrancou um galho de árvore, que caiu feito uma cabana sobre a calçada, tornando-a intransponível. Crianças saberiam ver nisso um brinquedo. Os adultos acham um estorvo. Os dois têm razão. Mas, a verdade é que as crianças não brincam mais nas ruas. As grades deixaram livre apenas o espaço necessário para a passagem dos pedestres e a rua é ocupada por carros estacionados o dia todo. Há menos crianças também. Simples: as crianças "antigas" se tornaram adolescentes e seus pais não tiveram outros filhos. A rua vive uma entressafra de crianças.

Há alguns raros bebês, tardios ou inesperados, conduzidos por suas mães em carrinhos que se esgueiram pelas calçadas, disputando com os camelôs e a multidão apressada.

Distingo os bebês tardios dos inesperados pelas mães e seus carrinhos: os tardios vêm em carrinhos novos e luxuosos, empurrados por jovens senhoras que não cabem em si de felicidade. Os inesperados têm carrinhos de segunda e suas mães são mocinhas que não conseguem esconder dos olhos uma tensão que lhes rouba quase todo o brilho.

Não é para menos: ter filhos é tarefa cada vez mais difícil, a vida anda dura demais e, se o futuro não parece lá muito promissor, o pai da criança ainda menos: quase sempre a decisão de ter o bebê é da menina, que conta apenas com a benevolente reprovação dos pais para seguir em frente. Dá vontade de convidá-las para um cafezinho só pra dizer: "Calma... Você fez o certo: escolheu a vida. Pense que, se você vai ter de sacrificar um pouco dessa ilusão chamada juventude, quando vier a maturidade - ou melhor, o esplendor - você já terá seu filho criado e ele será muito mais um companheiro do que um problema... Só depende do que você fizer agora.". O difícil é fazê-la crer, ter fé, quando o inesperado parece apenas inoportuno. O que mais eu poderia dizer é que, assim de cabeça, não lembro de ninguém que tenha se arrependido de ter escolhido ter filhos quando a possbilidade pintou.

Mas se faltam crianças, sobram adolescentes. Adolescentes e gente que envelhece cada vez mais depressa: cabelos grisalhos, barriga, o andar pesado de cansaço e frustração. Adolescentes embriagados de ceticismo e alguma dose de arrogância; gente de meia-idade na ressaca da desilusão. Uns e outros se olham com uma espécie de rivalidade que mistura um tanto de desprezo, um tanto de inveja. É o tal conflito de gerações, cuja solução se adia, há milênios, para a geração seguinte - "quando eu criar meus filhos vai ser diferente". E a gente, que já repetiu essa mesma frase, apenas espera estar vivo pra ver...

Mas é bonito vê-los passar com essa empáfia que todo adolescente toma emprestado dos modismos próprios de cada geração e que ostenta com a íntima certeza da absoluta originalidade. Não há como não perdoar tamanha ingenuidade, ainda mais se nós próprios passamos igualmente por isso, uns mais, outros menos. E não adianta dizer "no meu tempo foi diferente...". Não foi. Se a indústria da manipulação dos gostos e desejos era menos sofisticada e eficiente, o espírito sempre foi o mesmo: a horda de jovens que impotente se organiza para tramar em quase segredo a futura revolta, sempre adiada, contra os mais velhos - barulhentas hienas cercando o velho leão...

E, por favor, hiena e leão aqui não são metáforas que querem desvalorizar a juventude e enaltecer a maturidade, mas apenas ressaltar que jovens adoram andar em bandos e os mais velhos aprendem a cultivar - ou a resignar-se - com a solidão.

Porque não há meio de se evitar o encontro com a própria solidão. A juventude a disfarça, a indústria nos promete a solução pelo consumo, mas chega uma hora em que nos deparamos com ela, com aquele que somos e que não se confunde com o nome, o rosto, a história que pensamos ter - e temos, mas que não é o que de fato somos. E, afinal, o que somos? Se eu soubesse, não diria - pra não estragar a surpresa desse encontro.