29 de janeiro de 2001
A mulher que passa

Eu sou um apaixonado pela mulher que passa. Ou melhor - para ser mais preciso, eu deveria dizer: eu também sou um apaixonado pela mulher que passa. Porque a mulher que passa é uma paixão nacional - e diria mesmo, uma paixão universal. Arrisco até afirmar que a poesia vive da mulher que passa. Não há poema de amor que não lhe faça referência - implícita ou explícita. Retrucará o pescador de contradições: "Mas e a musa, a amada?"

Ora, a musa, a amada é a mulher que passa que parou para um lírico e abstrato cafezinho. Ai dela se, encantada com os poemas que lhe são dedicados, resolve fazer ponto na vida do poeta. Esvaziada de sua transitoriedade, abatida pela intimidade que nos converte irremediavelmente no que somos, ela pode até tornar-se uma boa esposa, mas é só. Logo o olhar volátil e nostálgico do poeta retornará às ruas em busca da mulher que passa, anônima e eterna.

Exemplos da minha tese não faltariam, mas, modesto e preguiçoso, cito apenas um, o definitivo: Garota de Ipanema. Não preciso dizer mais nada. Está tudo ali, síntese final da exaltação da beleza, do acaso e do instante.

Tanto que, desde então, toda mulher que passa tornou-se uma Garota de Ipanema provisória e inconsciente. Mais até: depois de Garota de Ipanema nunca mais as mulheres passaram do mesmo jeito. Sem lhes roubar um mínimo da espontaneidade, a música conferiu à cadência distraída de seus passos a plasticidade mitológica das ninfas - e lá vai ela, docemente embalada pela melodia que imanta o ar, sobretudo se estamos no Rio e a duas quadras do mar.

Lá vai ela, úmida de promessas, mansa do torpor que o sol impõe a seus filhos mais diletos como uma espécie de sabedoria: pra que pressa? Lá vai ela, sob o vestido leve que revela mais do que esconde - num jogo de advinhas - onde o cronista imagina ver escrito o vê de verão que é a marca do biquini em suas carnes.

Será ela a eleita desta crônica, mulher ainda moça que passa tão esquecida de si, ainda incerta talvez de seus encantos ou talvez apenas absorta - que ser bela assim tão jovem é sempre um mistério que convida à inquietude.

Tomara que não a tentem com propostas de ser modelo, atriz de novela ou garota propaganda de cerveja, refrigerante ou cigarro e toda sua exuberante juventude se converta numa tara de velhos. Tomara, pois o que Deus dá de graça é dom - não se revende. Tamanha beleza foi feita pra encantar, não pra iludir.

Tomara, enfim, que ela se renda aos apelos do mar e siga seu destino de sereia: vai acabar em alguma ilha do Atlântico decifrando a língua de golfinhos e baleias...

Fica então a ela dedicada esta crônica, a ela, a mulher que passa e deixa um sorriso, um olhar de relance ou nem isso, apenas passa e larga no coração da gente um calor de esperança, impressão de felici-dade, retrato, enfim, do amor impossível e desejado, aquele - feito só de sorriso, olhar e silêncio, o silêncio dos retratos...