2 de dezembro de 2002
O maior anão do mundo

Não pôde usufruir das vantagens que a extravagância da deformidade oferecia. Por modéstia, deixou-se perder na multidão, disfarçando-se entre os outros. E, ainda que uma análise atenta pudesse tornar crível a reivindicação do título, não procurou oficializá-lo.

No começo, chegara mesmo a pensar em advertir as autoridades para o atributo que o distinguia. Mas deu-se conta que não haveria sentido em tornar-se o contraponto do menor gigante do mundo, que encantava os telespectadores de todo o país, nas tardes de domingo. Iriam acusá-lo de plágio, charlatanismo ou vulgaridade - pois o menor gigante sempre parecerá ao povo melhor que o maior anão.

De mais a mais, já desconfiava que havia anões até maiores do que ele. Embora parecessem não sabê-lo, circulando com naturalidade entre os homens de estatura normal, ele tinha certeza que, uma vez reclamado o título, o eventual sucesso de sua aparição seria suficiente para que alguns percebessem possuir o mesmo atributo e o contestassem. Seu reinado como o maior anão do mundo seria certamente efêmero. Em pouco tempo, ele seria apenas vagamente lembrado como uma espécie de pioneiro e nada mais.

Não havia alternativa favorável. Ou seria ridicularizado como uma mera imitação do menor gigante do mundo, uma espécie de falsa aberração que tentava aproveitar-se do sucesso alheio, ou acabaria contestado, se, por um acaso qualquer, o povo resolvesse acolher sua pretensão como original e justa.

Havia, no entanto, uma terceira hipótese que o apavorava, capaz de fazê-lo perder o sono, a fome, o desejo. Seu medo não era que refutassem a verdade de sua reivindicação - "Você não é o maior anão do mundo!" ou "Você não passa de uma cópia do menor gigante do mundo!". O que ele mais temia era que simplesmente o ignorassem. Temia que, depois de avaliarem todas as conseqüências que o reconhecimento de sua condição poderia provocar, eles se decidissem pelo silêncio, por mantê-lo no anonimato. Temia, enfim, que não o reconhecessem - apenas para salvar as aparências.

"Podem haver gigantes menores, mas nunca anões maiores", ele imaginava ouvir a sentença colérica dos juízes, condenando-o ao ostracismo ou, quem sabe, à morte. Sim, porque ele sabia muito bem que, para salvar as aparências, eles seriam capazes de qualquer coisa. Qualquer coisa.

Decidira, portanto, acomodar-se ao deliberado esquecimento de suas qualidades. Percebia, entre os homens, outros grandes anões, felizes na inconsciência de seu atributo. Juntava-se a eles, às vezes, para falar mal dos gigantes menores que dominavam a cena.