7 de janeiro de 2002
Horóscopo

Meu caráter crepuscular me torna vulnerável às variações do tempo e especialmente sensível ao fluxo das marés e, sobretudo, ao horário dos crespúsculos. A coluna de Meteorologia serve-me, portanto, de horóscopo. Com a mesma confiança com que outros lêem as colunas de Astrologia, eu leio as de Meteorologia.

Por isso, fiquei perplexo com a notícia de que o prefeito César Maia vai processar o meteorologista que previu chuvas para o Rio no revéillon. Mais incisivo, seu secretário de Turismo acusa o meteorologista de agir com segundas intenções sob o impulso de forças conspiratórias. E anuncia que não desistirá do processo, independente do eventual recuo do prefeito.

Nem é tão estranho que César Maia inspire em seu acólitos arroubos alucinatórios. Onde alguém, na História das Civilizações, encontra referência a um césar maia!? Nem romano, nem grego, nem persa: maia! Só mesmo numa versão "História Geral" do "Samba do crioulo doido".

Um nome desse deixa qualquer um maluco... O sujeito começa a pensar "O césar maia... O césar maia...", e o absurdo da coisa vai lhe tomando de tal modo a mente que é perfeitamente natural - ao menos, do ponto de vista de uma psicologia crepuscular - que comece a imaginar meteorologistas sacando previsões das entranhas de pássaros ou tomado por transes mediúnicos - recursos que, obviamente, são uma porta aberta ao charlatanismo, à má fé. Favorecendo, portanto, a manipulação do povo bom e ingênuo por forças ocultas - no caso do revéillon, forças com fortes interesses no Turismo e na fabricação de guarda-chuvas... Natural, perfeitamente natural.

O que não é natural é o prefeito César Maia confundir previsão com profecia. Logo o prefeito, um devoto das pesquisas, essa perversão da estatística elevada à condição de oráculo pelos políticos em geral. Ora, a Meteorologia é uma ciência estatística, digamos assim. Mais precisa até, em suas fontes, do que as pesquisas. Enquanto uma pesquisa se baseia em algo vago como "2.000 pessoas em todo país", a meteorologia extrai seus resultados de fotos enigmáticas de nuvens, medições térmicas, barométricas e outras rimas. E justamente porque ela analisa elementos extremamente voláteis - ventos, nuvens, correntes marítimas - faz previsões, não profecias. O meteorologista não diz "vai": mais modesto e prudente, ele diz "pode".

Mas admitir a incerteza é um problema que não atinge só nosso césar maia, mas todos os césares da face da Terra: desenvolveram o estranho dom de acreditar que apenas as pesquisas favoráveis são verdadeiras ou proféticas. Na entrevista que deu a Elio Gaspari outro dia, Jorge Bornhausen, por exemplo, explica, tomado de um êxtase iluminista, que Roseana saltou para o cenário sucessório depois que pesquisas apontaram a predisposição do eleitorado em apoiar uma mulher!"Um Dom Sebastião de saias? É isso que eles querem? Pois, terão!".

Parece brincadeira, mas o enredo da Gaviões da Fiel no carnaval paulista de 1999 foi exatamente "O príncipe Encoberto ou A Busca de D. Sebastião na Ilha de São Luís do Maranhão".

"Isso sim soa profético!", diria talvez o prefeito, sob o olhar desconfiado do seu secretário de Turismo que veria aí já um indício de conspiração. Desconfiança, aliás, perfeitamente natural, naturalíssima.

Fico imaginando que se alguém, inadvertidamente, misturasse os resultados de pesquisas políticas e culinárias, seria bem capaz de um partido lançar o Leitão à Pururuca como candidato à presidência

Enfim, aconselho ao prefeito, nosso césar maia - que já nos brindou, a nós cariocas, com o "Monumento ao Niilismo" - um do ícones da Pós-Modernidade, marco da escultura urbana contemporânea - que é "a ponte do nada a lugar nenhum" erguida na entrada de Ipanema - aconselho ao prefeito, repito, que não se meta com os meteorologistas, cobrando deles certezas de profetas bíblicos

Inclusive, porque, se a moda pega, os meteorologistas podem acabar processando os políticos por todas as promessas e previsões que fazem a cada novo ano, ano após ano.