11 de novembro de 2002
Os efeitos da chuva

Chove.
Chove muito.
Chove há quatro dias.
Chove de molhar a alma e entristecê-la.
Chove no Rio, chove em Paris, chove nos teus olhos e nos meus.

E isto bem podia ser um poema que começasse a descer exuberante e pródigo pela página, como um prédio de muitos andares, mas, não - é só mais uma crônica que se insinua lenta, as letras alinhando-se desiguais, multidão que vai apinhando a página aos poucos, humanamente, como se fugissem elas também da chuva que lá fora continua a tamborilar nos vidros seu morse incerto.

Chove e viceja em mim essa melancolia das paisagens gastas, que o tempo torna indiferente aos olhos pelo simples repetição, dia-a-dia diluindo as coisas em meros desenhos impressos ao fundo, fundo falso de fotografia, finíssimo nada que nem bem nada é, nada impuro feito desses prédios que de longe nem bem prédios são, minha natureza morta, particular e exígua.
E você?
"Leaving people is the kind of people that I love" (Gente que parte é o tipo de gente que eu amo), eu disse pra você querendo ser irônico, original e cinematográfico. Ao que você bem podia ter retrucado:

"Claro, você gosta de ser sozinho".
Como, aliás, você acabou dizendo.

E nisso você tem razão: eu gosto da solidão. Preciso dela. Como preciso desta chuva e desta saudade meio besta que eu sinto de você, saudade boa, que não dói e que é, em mim, vontade de paisagem nova. (Repare o leitor que não é todo mundo que a gente deseja que nos desperta essa vontade de paisagem nova, de novidade. Tudo bem, é da natureza da vida, do tempo, ir tornando as paisagens velhas para quem as vê. Mas poucas são as pessoas que trazem de si a promessa do novo, esse sentimento que é a mais pura forma do êxtase).

Continua a chover. Não vai parar, anuncia a meteorologia, ciência que investiga os fenômenos atmosféricos. Eu, da minha parte, contribuo para a evolução dessa complexa e delicada ciência, acrescentando-lhe uma frase, à guisa de epígrafe: "O Tempo oxida tudo". Gasta as coisas, gasta a imagem que temos delas. Toma-lhes o valor e a vida. E pior: gasta os olhos que as vê.

Nos próximos dez dias, informam os portais metereológicos, não haverá sol no Rio, nem em Paris. Choverá ou o céu permanecerá cinza e o mundo, despovoado de sombras. Solidão sem sombra, leitor. Portanto, para lhe fazer companhia, não esqueça o guarda-chuva.