20 de maio de 2002
Com o tempo...

No começo, pensei que não duraríamos tanto. Quem, aos dezessete, dezoito anos, imagina chegar aos trinta? Não digo nem aos quarenta, mas aos trinta? Ninguém. Ninguém, claro, que aos dezoito tenha mesmo dezoito. Porque há os que já nascem velhos, aqueles para quem a vida é o lento esperar da velhice quando, enfim, corpo e alma coincidirão... Mas, eu dizia que aos dezoito jamais imaginei chegar aos trinta. Achava mesmo que seria de muito mau gosto passar dos trinta, uma prova de irrefutável fracasso.

Depois, já perto dos trinta, concluí que seríamos imortais, que permaneceríamos "com menos de trinta" o resto de nossas vidas. Uso a primeira do plural porque incluo aqui alguns poucos amigos e amigas, a turma, meu bando. Mas, pensando bem, no momento dessa "afirmação da imortalidade" acho que já não falava por todos, senão por mim mesmo. Juro, teve um tempo em que acreditei firmemente na imortalidade do corpo (para ser de fato honesto ainda acredito. Mas isto é outra história...).

Flertava com a idéia de que o corpo morria não de doença ou velhice, mas de tédio. Nem é bem que escolhessemos morrer, mas somos educados para isso, para crer nisso - que morreremos no final da história como meros extras ou, no máximo, como um ator coadjuvante heróico, daqueles que se sacrificam pelo mocinho... Misturava em minha argumentação conhecimentos médicos, biológicos esotéricos, religiosos, e gostava de citar a promessa de Jesus da ressurreição DA CARNE no fim dos tempos. Ora, se era pra ressuscitar no fim, o que, tecnicamente falando, nos impediria de chegar lá inteiros?

A Biologia, por sua vez, afirma que a cada sete anos todas as células do nosso corpo se renovam e outro dia assisti um médico dizendo que o corpo continua produzindo o hormônio responsável pela juventude por toda vida e não só até os vinte anos, como sempre se pensou. Cientistas teriam descoberto que a glândula continua produzindo, apenas em quantidades menores. O que é interrompido não é a produção, mas a distribuição do excedente. Com uma informação dessas e um pouco de imaginação dá pra se fazer um carnaval!

Foi só de uns tempos pra cá que da morte me dei conta a sério. E aí, me vejo na seguinte situação: eu que, lá no começo, nem pensava em durar tanto, já começo a achar que a vida é curta... Na verdade, prefiro dizer que a vida é longa e logo.
Eis onde eu queria chegar, depois de tantas voltas: às vezes acho que estou ficando velho! Vejo isso nem tanto nos espelhos, que sempre me iludem, mas na cara dos outros. Um dia desses revi por acaso e de relance dois conhecidos, um homem e uma mulher, "daquele tempo". Eles envelheceram! Logo, eu também devo ter envelhecido, claro. Mas não sinto! Nem para o bem nem para o mal, eu sinto o tempo com a veemência com que o vejo inscrito no corpo dos outros.

Internamente então... Não posso nem sequer dizer que me iludo menos agora. No máximo, passei a exigir doses mais altas e mais puras de ilusão para obter o mesmo efeito de novidade. Já não é qualquer ilusão que "bate", só isso... Mas ainda assim as persigo e nem mesmo com a discrição que a idade exigiria.

Uma diferença que eu tenho notado - e me surpreende: o amor, que antes era quase que só desejo, vai se tornando mais compaixão. Porque não há alternativa. Ou a tolerância nos adoça ou a amargura nos consumirá mais cedo até do que o previsto. Não vou nem falar do mundo, este "nosso" mundo, que não ajuda nem um pouco... Falo apenas da reação natural do homem em face da repetição, da frustração, da desilusão, da solidão e de mais uma multidão de palavras superlativamente terminadas com ão.

Multidão, aliás, inevitável como a de uma praia de domingo. Se nos deixamos amargurar por ela e respondemos à vida com desprezo, estamos fritos... E, não adianta, eis o que o tempo inevitavelmente nos traz: o momento da escolha entre a compaixão e o desprezo. É nessa hora que tudo se decide. E "tudo" quer dizer apenas "a sua vida", leitor. Porque o mundo, o mundo em nada se altera, alheio em seus mistérios.