23 de dezembro de 2002
Os benefícios da lua

É essa lua, pode ter certeza. É que ela andou oculta por nuvens que já a ameaçam esconder de novo. Mas é a lua, sim, pode crer. É ela que nos deixa assim, tão inquietos, eletrizados de idéias, sensações, criações e desejos, a mil, incomodamente a mil para horas tão curtas, noites mal dormidas sem cansaço, os olhos rútilos, a barba por fazer, imersos no turbilhão de dezembro, esta profusão de números, previsões, adiamentos e promessas; de dor, júbilo e incertezas: a morte de Orlando e Evandro, os dribles de Robinho, o presidente que ainda não é, o ministro que não devia ser... E mais este Natal sem Feliz Natal.

A uma semana do Natal, eu ainda não disse nem ouvi um "Feliz Natal". Nenhum. Também não vou dizer. Quero ver onde isso vai dar, essa indiferença. Não por implicância, mas por curiosidade estatística. Talvez venha a ser meu primeiro Natal sem um escasso e tímido "Feliz Natal".

A impressão que tenho é que o Natal acabou. Há muitos anos ele era só consumo. O dinheiro foi embora, o Natal foi junto. Mudou-se o Natal. Dolarizou-se. Papai Noel então, não existe nem em anúncio. As crianças já aprenderam que não adianta pedir nada pra ele. Tem de pedir é pra São Nunca, instituído santo padroeiro destes dias duros, sem dinheiro nem fé. Não falo sequer da fé em Deus, que parece confinada aos templos e igrejas, mas da fé em si mesmo, que é mãe da generosidade. E assim, segue dezembro, sem presentes nem abraços, sem "Feliz Natal" repetido para todos, a todo instante, no lugar do "bom dia" e do "até logo".

Pareço amargo? É essa lua, plenilúnio próximo ao solstício, que inquieta a mim e a uns tantos leitores. E nem sequer é amargura, mas uma angústia criadora que nos torna talvez mais lúcidos e céticos.

Será este o meu presente a todos que me acompanharam até aqui: as palavras, "plenilúnio" e "solstício". São duas palavras lindas, dessas que só podemos usar umas poucas vezes no ano, em casamentos, aniversários e decisivas declarações de amor.
Claro, se você já as tem e conhece, pode ir ao Aurélio trocá-las por outras que lhe sejam de maior serventia. Mas, para muitos, serão certamente uma novidade. Para outros, lunáticos mansos e involuntários como eu, será mais do que isso. Será uma explicação para o sentimento que nos agita, intenso, mudo e insaciável, esse querer mais de não sei quê.

Plenilúnio é a lua cheia dita numa palavra só. Olhando bem, dá pra ver as palavras "plena" e "lua" amalgamadas nela, numa liga leve e resistente. Aliás, repare e veja o sol brilhando grave em "solstício", que é como chamam esta época em que a Terra, em seu movimento de rotação, está mais distante do Sol, e os dias se tornam mais curtos e as noites mais longas. Diz-se até que o céu parece parar. Não sei. De certo mesmo é que os magos e os amantes agitam-se em caprichos e sortilégios.

Enfim, está dado o presente, que inclui um longo e imaginário abraço, desses em que pousamos a cabeça no ombro um do outro, abraço generoso e grato. No meu caso, grato pelo empréstimo dos teus olhos, leitor, a estas linhas. Ah, sim! Já ia esquecendo: Feliz Natal!