17 de março de 2003
Padarias e botequins

A padaria e o botequim são instituições nacionais. Sem a padaria e o botequim o brasileiro seria inconcebível. O sujeito sai de sua terra, vai do Norte para o Sul, ou vice-versa, não conhece ninguém, ainda nem domina a gíria local, mas entra numa padaria ou num botequim e sente-se em casa. Tem saudades, e a visão de um pão doce o consola. Tem fome, e a média com pão e manteiga o sacia. Está triste, e a cervejinha o alegra.

E não há como falar de padaria ou botequim sem imediatamente lembrar do português. Se houvesse um Gênesis das padarias e botequins, ele começaria assim: "No princípio, era um português...". Porque na origem de cada botequim e padaria há um português, mesmo que o dono hoje seja cearense, paulistano ou carioca. Não importa, no começo era um português - legítimo dos bigodes aos tamancos.

Digo isto porque, de uns tempos pra cá, tornou-se moda enaltecer nossas heranças negra e índia e repudiar o português como um invasor ignorante e brutal. Tolice.

Falamos do futebol e do samba como das expressões mais genuínas do brasileiro. Mas o que seria do futebol e do samba sem o botequim e a padaria? Engana-se quem pensa que a existência do futebol depende apenas de uma bola e meia dúzia de marmanjos. Há, ainda e principalmente, o público. Sem o sujeito que pára para assistir ao menos uns minutinhos da mais reles pelada, o futebol não passaria de um lazer excêntrico.

Mas, repare o leitor que eu disse "público" e não "torcedor". A diferença é simples: depois do jogo, o público - pagante e não-pagante - volta para casa. O torcedor, não: vai para o botequim e, no outro dia de manhã, só pensa em chegar logo napadaria. Porque é no botequim que ele comemora. E é na padaria que ele comenta, reflete e, sobretudo, rebate a ressaca igualmente amarga da vitória ou da derrota. Eu resumiria assim: o botequim é lírico e dionisíaco e a padaria, épica e apolínea.

Onde eu quero chegar é que o torcedor se inventa é no botequim e na padaria. É lá que ele nutre a paixão que depois, alimentará a necessária vaidade do craque e do perna-de-pau que fazem o melhor futebol do mundo.

Enfim, o que seria, já nem falo do futebol, mas de nós, do brasileiro em geral, mestiço na alma e no sangue, sem o último amparo de um balcão - seja de botequim, seja de padaria?