9 de junho de 2003
Voyeur do que é seu

No corre-corre deste dias, acabamos nos desencontrando. Mas não vale lamento - quem semeia o risco, aprende a colher adiamentos: frustração e perda não podem ser flores no jardim do inesperado.

Melhor então contar deste gosto meu de ver de longe as pessoas que amo. É assim: me posto a uma hora determinada num ponto onde sei que você passará. Escolho um banco de praça ou um canto qualquer onde me encostar e fico atrás do jornal de olho espichado, feito detetive de cinema, olhando por sobre as folhas. E espero, sonsamente distraído.

E eis que de repente surge você. Vem vindo do horizonte estreito de uma rua entre as sombras salpicadas de luz dos velhos oitis. É verão e você vem, úmida e vaporosa na pressa de seus muitos afazeres. Você vem e eu finjo para mim que ainda não te distingo, inconfundível que és ao meu olhar apaixonado. E onde em teus olhos brilha a pressa eu vejo a esperança, que é sempre um certo descaso do presente: você passa e nem me vê...

Eu largo o jornal, acendo um cigarro e começo a te seguir. Primeiro, deixo que você se perca um pouco na distância.Quero te ver de corpo inteiro: nuas, as costas retas e os ombros largos, os cabelos cintilando sob o sol... Ansioso, me aproximo mais, perigosamente próximo, para apreciar tuas pernas longas, as coxas grossas que sustentam umas ancas que aos outros parecerão de mármore.

E então, quando finalmente te abordo, é com meu coração descompassado e um certo rubor que te digo "oi" (pois, nunca sei o que dizer...), mas meu sorriso é já um buquê de margaridas e teu sorriso é já de corpo inteiro e olhos que me cegam para o mundo que quase cessa assim refeito em grandíssimas pinceladas de Van Gogh...