4 de agosto de 2003
Macaco, olha o teu rabo

Se tem duas coisas que padre não devia opinar é sobre sexo e família. Não têm experiência. Dá no que deu. Lendo-se o texto da bula papal fica a impressão que se bobear, homens e mulheres se tornarão todos homessexuais na primeira cochilada. Isso até ofende os heterossexuais.

Que o Vaticano se preocupe com seus padres, ainda vá lá. Um sujeito que é obrigado a andar de saia o dia todo desde a juventude só convivendo com homens eles têm mesmo de ficar de olho. Estão aí os casos de pedofilia na igreja católica americana. Pedofilia homossexual, ressalte-se. Nenhuma novidade para quem estudou em colégio de padre. Isso para não falar dos casos heterossexuais adultos, mais discretos e não menos comuns. É natural: desejo é vida e padre é gente. Quem fez da Igreja uma organização homossexual (não no sentido, do sexo como prática, mas do sexo como gênero) foi a própria Igreja, ao instituir o celibato.

Tudo bem que o cristianismo romano resolva condenar o homossexualismo entre seus fiéis e proibir o sacramento do matrrimônio entre homossexuais em suas igrejas. É problema de quem é católico e homossexual. Daí a se meter no Código Civil, querendo proibir qualquer forma de legalização das relações homossexuais ou a adoção de crianças por qualquer casal homossexual é um coice na testa.

O problema todo é esse "qualquer". Numa sociedade laica e democrática, onde prevalece o direito individual e o princípio da liberdade, não pode haver julgamento a priori, prévio, preventivo. Não se pode dizer que "qualquer" homossexual é incapaz de adotar uma criança. É a qualidade da família que conta para uma criança e não o sexo dos pais. Se fosse assim, convenhamos, a quantidade de filhos infelizes de casamentos heterossexuais poderia levar um imbecil a proibir também a adoção por casais heterossexuais. Ou, se fosse um imbecil radical, a condenar a família como instituição.

Digo imbecil porque desde Hume, ou seja, há mais de 200 anos, o argumento estatístico (digamos assim) é mais desacreditado que promessa de político. É simples: experiências individuais por mais repetidas que sejam não dão fundamento a proposições gerais. As experiências testam hipóteses, mas não as comprovam, diria mais recentemente Karl Popper.

Mas a Igreja parece que parou mesmo em Galileu. Pelo menos nesse texto. Falar em "lei moral natural" ou "reta razão" hoje em dia parece coisa do museu da filosofia, algo comparável a expor astrolábios, relógios de sol e outrs antiguidades junto a micros e máquinas de calcular.

Aliás, vamos deixar o conceito de "reta razão",pra lá. Só o conceito de "lei moral natural" já é dose cavalar. É algo tão absurdo do o ponto de vista intelectual que só posso imaginar que os padres da Igreja andam vendo desenhos animados demais ou freqüentando a Disneylândia (bom, pensando bem, faz sentido...).

Imaginar que a Natureza tenha moral equivale a tentar convencer uma onça a se tornar vegetariana. Espero que nenhum padre tente...

Querem um sofisma? Que tal "se existe uma lei natural essa lei é a reprodução. Supondo que homossexuais nascem homossexuais e padres são idealmente heterossexuais esterelizados pelo dogma do celibato imposto pela Igreja, pergunta-se: quem então transgride mais essa lei natural: o homossexual ou o padre?".

Repito, é só um sofisma. Uma provocação sem fundamento. Exatamente como o documento do Vaticano. Foi só para servir-lhes um pouco do próprio veneno...

Mas, convém tambem lembrar que há outras correntes na Igreja, leituras diversas e, às vezes, opostas do cristianismo. Fora as outras igrejas derivadas. O meu cristianismo é o da caridade mais que da castidade, do compaixão mais que do julgamento, do perdão mais do que da penitência.

O obscurantismo medieval desse documento abre espaço para que instituições católicas de ensimo expulsem professores homossexuais e a torcida do Fluminense acabe excomungada por cantar "Abenção, João de Deus" cheia de pó de arroz. Melhor fariam os padres se em vez de fazer filosofia vendo "Rei Leão", assistissem a "Um homem de família", com Nicholas Cage. Descobririam que um bom filme pode fazer mais por certos valores que muita bula papal.