5 de dezembro de 2003
Curral ambulante

40% da população brasileira é obesa. 20% é faminta. O que significa que apenas 40% come direito ou simplesmente come. Os famintos não têm dinheiro para andar de ônibus, nem energia para andar a pé. Deixam-se ficar atirados na calçada, esmolando.

O problema é o número crescente de obesos. Sobretudo porque eles andam de ônibus. E já não cabem nos assentos. Ou melhor, caber, até cabem, mas ocupam os dois lugares. Mais precisamente, um lugar e meio. Inútil pedir licença, pigarrear ou partir para a pressão física. O sujeito não tem como fechar as pernas ou encolher os ombros. Ele é obeso. Não gordo exatamente, obeso.

Não sei se na terminologia médica obeso é sinônimo de gordo ou se é mais uma adaptação politicamente correta da realidade, promovida pelos departamentos de marketing para não atrapalhar o consumo dos produtos de seus clientes. Mas na minha cabeça fantasiosa, obeso é alguém a meio caminho de se tornar gordo. Uma escala - como a hierarquia militar, por exemplo, que vai de cabo a marechal.

Nesse caso, da mesma forma que um cabo ou sargento pode ser rebaixado, mas nunca se viu um marechal perder suas patentes, o obeso é um estado e o gordo uma condição. Quer dizer, obeso a gente está, gordo a gente é. Uma vez gordo ou marechal, para sempre gordo ou marechal.

Por isso talvez, a gente veja tão poucos gordos e marechais. Mas cabos, sargentos, tenentes e obesos estão por toda parte - inclusive ao seu lado, no único lugar vago do ônibus lotado.

Como há mais de dez anos, a galera vem se "bombando" para adquirir músculos com rapidez e pouco esforço - o que significa que logo o sujeito larga a academia e toda aquela massa muscular se transforma em gordura - o sujeito suarento ao seu lado além de obeso, é alto. Ou mais alto do que previram os engenheiros, arquitetos ou seja lá que título tenham os infelizes que calcularam a distância entre os bancos.

Logo, suas pernas não cabem no espaço que lhes é destinado e ele é obrigado a abri-las. O que resta não chega a ser "um" lugar. E não adianta reclamar. O sujeito não tem mesmo onde colocar as pernas. E a culpa, claro, não é dele. Tudo bem, se engordou, foi porque comeu demais. Ansiedade, estresse, desgosto - tudo isso engorda. E quem se livra disso, hoje em dia? E aí, cada um se vira como pode. Uns bebem, outros comem, outros se matam.

Enfim, a culpa mesmo desse nosso aperto involuntário é do ônibus.

Aliás, é uma experiência fascinante andar de ônibus. Dois dias seguidos sacolejando dentro daquelas máquinas barulhentas logo nos conduzem à conclusão de que somos gado. Gado. É assim que nos vêem os donos de empresas de ônibus e os responsáveis por fiscalizar os serviços que eles prestam: deputados, vereadores e suas quadrilhas de fiscais nomeados. Gado. Porque isso que chamam de "ônibus" não passa de um curral. Com a diferença que os currais oferecem a vantagem de serem imóveis. A vaca, o boi e seus bezerros ficam lá, tranqüilos, tocando sua vidinha bovina. A nossa vai sendo tocada dentro desse curral ambulante que é o ônibus.

Não é à toa que a primeira providência dos homens públicos é arranjar um carro particular. Quer privacidade, caro cidadão? Arranje um cargo público. Eleja-se. É a forma mais rápida que conheço de enriquecer.