8 de dezembro de 2003
Cortina de fumaça

Preciso parar de fumar. Ou melhor, no meu caso, trata-se de voltar a respirar oxigênio e não a fumaça assassina e fedorenta que ponho para dentro dos pulmões o dia inteiro. Sou um viciado e isso me incomoda. A mim e aos outros, que convivem ao meu lado. Como quase todo mundo da minha geração, conheci muitas drogas. Experimentei várias, abusei de algumas. É sempre difícil se livrar delas, mas não conheço nada pior do que o cigarro. Já parei outras vezes e os sintomas da "síndrome de abstinência" do cigarro são terríveis. Sono, letargia, pigarro, tonteira, irritação, dor no peito e na garganta, depressão. Mas o pior de tudo para quem trabalha escrevendo: um embotamento mental que...

Bem, já começou... As palavras começam a faltar, os raciocínios se completam com dificuldade, quando se completam. Um horror que dura alguns dias. E lá vou eu de novo parar de fumar... Vale a pena. Gozar da sensação de liberdade e força que dá depois, quando você sente que, de fato, parou, que o cigarro agora é passado e você só volta a fumar se uma espécie de ilusão onipotente se apossar de sua alma e te fizer dizer: "Só um...". É esse "um" que arruína tudo.

É impressionante como, às vezes anos depois, basta um cigarro para trazer de volta o vício, novinho em folha em sua mórbida intensidade. Um cigarro? Minto. Basta um trago. Ao menos comigo foi assim todas as vezes que voltei, depois de ter parado...

A diferença entre viver com ou sem o cigarro, para quem conhece bem os dois modos, é tão flagrante que não há comparação possível. O que mais me agrada, já disse, é a sensação de liberdade que me dá, de auto-suficiência. Porque todo vício é uma espécie de religião. O viciado pertence ao seu vício: o cigarro me acorda o mais tardar às oito da manhã para ser fumado por mim. Esse descompasso entre o corpo e a mente, essa dualidade, é infernal.

O problema é que das vezes anteriores em que parei de fumar usei um remédio que para mim foi milagroso: um composto de lobélia e erva de São João, fabricado por um laboratório americano chamado Nature's Sunshine - que, como o nome indica, é especialista em produtos ditos "naturais". O remédio funciona da seguinte maneira: a lobélia "finge" para o organismo que é nicotina, suprindo-lhe a falta, enquanto a erva de São João, um conhecido calmante, alivia a tensão e a angústia. Comigo era tiro e queda: eu tomava o remédio uns quatro, cinco dias e parava de fumar sem nenhum sofrimento.

Primeiro, os representantes do laboratório no Brasil pararam de trazer o remédio porque, parece, não conseguiram (ou não quiseram) renovar a comercialização da fórmula no órgão competente. Agora, numa pesquisa na Internet, descobri que a própria Nature's parou de produzir a composição. Vende só a lobélia, sem a erva de São João. É provável que só a lobélia baste, mas o problema é que também não acho essa nova versão no Brasil.

É coisa de se pedir a amigos para trazer - algo que é sempre chatíssimo: o sujeito está saindo de férias e aparece alguém pedindo pra comprar remédio!? É de doer... Quando é alguém que mora lá e vem de férias pra cá, é mais fácil: compro com cartão de crédito pela Internet e mando entregar na casa da pessoa. Mas como tenho pressa, não vou esperar. Resolvi parar na cara e na coragem. E já estou parado, desde a primeira linha desta crônica. Os próximos dias são os piores... Vamos ver no que vai dar...