29 de dezembro de 2003
Maio é demais

Dêem-me maio e desmaiem-me os outros meses. Dêem-me maio em qualquer parte do mundo. É o que me basta. Em maio, não chove, não faz frio, não faz calor. Não é preciso aquecedor, ar condicionado ou ventilador. Em maio, não há festas, férias, vésperas de natal, ano novo, carnaval.

É o mês das noivas, é certo. Mas noivas nem existem mais. Hoje, as pessoas casam e descasam, de uma hora para outra, sem muita cerimônia ou a intermediação de noivados e outros babados. O que fez muito bem ao amor e ao mês de maio, que de tão bom, já começa com um feriado, que é o jeito mais apropriado de se comemorar o Dia do Trabalho.

Dêem-me maio - no Rio, Nova York, Paris, Bali, Corfu - seja onde for, primavera ou veranico, maio é o mais amoroso dos meses. Dêem-me maio o quanto antes. Ou ao menos, dêem-me a esperança de maio. Porque em maio não há enchentes, desgraças, eleições de presidentes, ameaças de terror. Em maio até os bons e os maus sossegam - e nos dão sossego, a nós que somos a espera de maio o ano todo.

Não há como ser infeliz em maio: com suas sombras e silêncios, com seu sol que não queima, maio ensina a viver. Ensina a quem quiser aprender, é claro. Porque tem gente que prefere não saber.

Mas mesmo a esses que fazem do sofrimento um sentido, esses que dizem "Sofro, logo existo", mesmo a esses, maio se oferece inteiro como uma chance de cura: trinta e um dias de tratamento intensivo e maio pode operar milagres. De fato, íntimas revoluções acontecem em maio, às vezes até sem que a gente sinta. E senão revoluções, pequenos golpes de estado, logo debelados por junho, julho, agosto e setembro - porque a esperança de maio retorna em novembro... E é dessa esperança que vivemos de maio a maio os outros meses. Vivemos nós, digo, os que não são bons nem maus, os que não gostam de sofrer, nós, os amantes de maio.

E talvez nem sejamos tantos... Quanta gente é maio, leitor, ao seu redor? Eu não vejo muitos. Você outro dia me dizia que os índios vêem alma em tudo. Eu vejo umas almas tão setembro, fevereiro e julho. Algumas até abril, mas maio mesmo são poucas...

E maio tem seus segredos. Maio às vezes se imiscui, guerrilheiro, subterrâneo, pelos outros meses e um dia faz-se maio sem que quase ninguém veja. Sábado foi maio. Um sábado inteiro maio!

Encontrei Sofia no icq e ficamos os dois num papo de pai e filha pela Internet, ela em Nova Jersey e eu no Rio, eu só lhe fazendo inveja contando que por algo em torno de 15 dólares, comprara 15 tipos diferentes de frutas. É de se ficar contemplando a beleza das coisas: tem banana, mamão, maçã, manga, maracujá, caju, jaca, tangerina, figo, ameixa, damasco, lima da pérsia, limão e dois tipos de uva, uma verde miúda, que chamam de thompson, e outra mais comum, bem brasileira, miúda também, que dizem vermelha, mas na verdade é de uma cor tão própria que não tem nem nome. E olha que faltou abacaxi, melancia, laranja... Tudo plantado aqui.

Antes, de manhã, fui de bicicleta até à Urca e caminhei pela trilha que costeia o mar, cortada bem rente à pedra, entre o Pão de Açúcar e o Atlântico. E quase não havia ninguem. Não era verão, era maio.

E maio é demais, bem já dizia o jazz...