16 de fevereiro de 2004
Ninharias inesquecíveis

-Açucar ou adoçante?
- Adoçante...

Eu usava açucar, mas tive uma namorada que só usava adoçante. Comprei um frasco desses grandes só para adular a moça. O açucar acabou, o namoro também. Ficou o adoçante que custava a acabar, indo, de gotinha em gotinha, até tornar-se um hábito - e um modo doce de às vezes lembrar dela.

Outras namoradas me deixaram outros hábitos, gestos, gostos, palavras. De uma ainda guardo o gesto de molhar a ponta do dedo de saliva para pegar alguma cinza de cigarro caída fora do cinzeiro. Esse gesto, quando eu fumava, me era muito útil. Cigarro é um vício sujo e um dos prazeres de livrar-se dele é não se ver mais cercado de cinzas e impregnado do cheiro da fumaça. Mas antes, virava e mexia, lá estava eu equilibrando delicadamente um pedaço de cinza na ponta do indicador molhado de saliva para jogá-lo no cinzeiro.

De outra namorada guardei o gosto de comer jaca. Pode parecer incrível, mas até meus trinta e tantos anos não lembro de ter comido jaca. Estávamos os dois fazendo feira e um vendedor oferecia jaca aos passantes. Didi,tomada de excitação, pegou um bago e me deu na boca, acrescentando uma frase que nunca esqueci e que talvez seja a principal razão de eu gostar tanto de jaca até hoje: "Jaca tem gosto de flor". Achei mesmo que tinha, eu que nunca antes comera jaca, mas que, por puro exibicionismo e sem nenhuma pretensão gastronômica, já comera rosas inteiras.

E não foram só namoradas que se imortalizaram em minha vida por conta de ninharias tão úteis e tão singelas. Também amigos... "Meus homens e minhas mulheres", como resumiu o Mário Prata no título de um livro que ainda não li, uma espécie de autobiografia em verbetes dedicados a pessoas, homens e mulheres, que fizeram a vida do Mário. Acho a idéia tão brilhante que um dia gostaria de repeti-la e acho mesmo que ela deveria se tornar uma espécie de modelo literário.

Como estou tomando um café, imediatamente lembrei de meu amigo Jaury Nepomuceno que, com esse seu nome de personagem de épico nordestino, me ensinou uma das coisas mais úteis e prosaicas da minha existência: "A água ferve mais rápido com a panela tampada, Antonio". Estávamos os dois na casa dele estudando filosofia e fomos à cozinha fazer um café. É claro que eu devia saber que a água ferve mais rápido com a panela tampada, mas, sei lá porquê, nunca antes tampara a panela. E olha que por essa época eu era viciado em café, cigarro e literatura...

Outra amigo, que não via há quinze anos e reencontrei ano passado, na posse do Lula, em Brasília: Marcelo Cordeiro. Marcelo é uma dessas figuras tão simpáticas que só de escrever o nome dele eu sorrio... Trabalhamos juntos uma época, lá mesmo em Brasília, e eu, pela primeira e última vez na minha vida, me vi obrigado a usar ternos. Pois foi o Marcelo que me ensinou a fazer laço de gravata. Só os homens são capazes de avaliar a importância de tal conhecimento... Aliás, para encerrar a crônica, deixo a pergunta: qual o equivalente feminino do "laço de gravata"?