3 de maio de 2004
Coisa rara

Nenhuma nuvem no céu desta sexta-feira com cara de domingo. Inusitado silêncio azul, azul - sem uma mancha branca que seja. Uma brisa fria se insinua contratante pela manhã luminosa: parece vir do sul e anuncia maio.

Insisto em pensar em você nessas horas que mereceriam um poema carregado de esperança e afeto por tudo que é vivo. Insisto, e meus olhos se acendem e o coração se aquece e já quase te vejo caminhando pelas ruas do Centro, o sol aconchegado em teu corpo como um gato na janela.

Insisto em pensar em você como um presente - desses que as crianças pedem de Natal quando ainda acreditam em Papai Noel. Falta-me a necessária dose de realismo para pegar o telefone e ligar. Honestamente, não saberia o que dizer. O que tinha a dizer já disse - e o fiz como quem comunica uma tragédia. Melhor seria se eu tivesse mandado um telegrama...

Mas eu insisto em pensar. É involuntário, eu diria, sonso. E não é mentira. Mas também não é verdade: quero e não quero pensar. Na minha cabeça, o amor deveria ser automático, mútuo e à primeira vista. Uma intensa e imediata simpatia, um desejo irremediável de estar junto. Nada de sedução e conquista - que, na minha cabeça, é pura enganação. E eu, assim que te vi... Bom, se eu fosse médico, não hesitaria em diagnosticar que se trata de um grave caso de amor. E é sabido que o amor não tem cura. Apenas o tempo o arrefece e transmuta em formas mais brandas de afeto.

E nem é esse o problema... Já tendo contraído o amor outras vezes, sei que dele não morro mais. Problema mesmo é ter achado que você também sentia alguma coisa por mim... Claro, alguma coisa mais, digamos assim, embaraçosa... Juro que eu lia nos teus olhos algo que depois nem dei oportunidade à tua boca de negar em palavras exatas e incontestáveis - não gosto de soluções cirúrgicas: minha família tem uma firme tradição homeopática.

Enfim, me incomoda mais o meu engano do que a tua indiferença. Mas terá sido mesmo engano? E assim recomeço a pensar em você, feliz da vida com a minha dúvida - insolúvel enquanto houver silêncio.

E já que você não está aqui, já que agora você anda pelas ruas do Centro com o sol aconchegado em teu corpo como um gato na janela, eu te digo que você foi feita pra mim e eu pra você. Digo isso certo de que, quando estivermos juntos de novo, mesmo sabendo que é inevitável que você leia esta crônica, vou fingir que não escrevi nada disso que você já sabe. Ou não! Sei lá... O amor vem em surtos repentinos produzidos por um olhar, uma palavra, um gesto. E, cuidado!, é contagioso.

Enfim, seja como for, musa platônica ou amor da minha vida, você é o que é: bonita, encantadora e rara - como esta manhã de sexta-feira com cara de domingo.