26 de julho de 2004
Dueto

O Arnaldo DeSouteiro me mandou um e-mail comentando a crônica sobre Marlon Brando e "Último tango em Paris". Como até e-mail Arnaldo escreve bem, fica difícil editar: não há o que cortar sem diminuir o sabor do texto. Então lá vai, na íntegra ou quase, nossa troca de mensagens.

De: Arnaldo
Para: Antonio

"Antonio-san,
Emendei uma viagem na outra e só agora estou colocando em dia a leitura de e-mails. Parabéns pela crônica sobre o Brando. Todos os seus comentários e sacações são perfeitos e comoventes como "Último tango em Paris", que marcou a minha vida embora (ou talvez por isso mesmo) eu fosse ainda uma criança imberbe, mas não ingênua, naquela época.

As fotos da Maria Schneider nua, publicadas numa Manchete naquela época, permancem até hoje diagramadas na minha memória, igualzinho as páginas da revista, com as legendas em vermelho.

Recentemente também revi o filme num desses canais a cabo da vida... Achei genial a sua sacada sobre o chiclete...tomara q ainda esteja lá...
E que trilha fantástica, hein? Uma das melhores coisas na carreira de Gato Barbieri - naquela época, já um pioneiro da world-music, trabalhava com sidemen de diferentes nacionalidades e incorporava à sua obra elementos afro-brasileiros, mesclados ao jazz-fusion.

Sob o impacto de um copião mostrado por Bertolucci, ele compôs o score em agosto de 71. Em seguida, convocou o fantástico arranjador Oliver Nelson (que viria a falecer em 75, aos 43 anos, no auge da carreira) para preparar as orquestrações. Tudo pronto, Barbieri, os músicos de seu grupo (entre eles, o tecladista Lonnie Liston Smith, o baixista Stanley Clarke, aos 20 anos, em fase pré-Return To Forever, e o percussionista Airto Moreira) e mais uma formação de 32 figuras entraram em estúdio, gravando o material para o disco em dois dias, completando a trilha incidental em mais uma sessão.

O tema principal virou clássico instantâneo, esculpido pelo tenor caliente de Barbieri. Músico de inequívoco sax-appeal, criou outros belos temas como "Jeanne" e "Girl in Black", fazendo variações sobre o leit-motif em "Ballad", na verdade um petardo detonado pelos gritos do líder.

Airto barbariza: faz a cuíca chorar embalando cena de velório ("Fake Ophelia"), encaixa berimbau na pungente "It is over", e sem cerimônia intromete agogô na reprise do main-theme em valsa-jazz. "La vuelta" tem traços do romantismo trágico de Piazzolla, acentuando a dramaticidade da cena, enquanto os méritos em "Picture In the Rain" vão todos para Oliver Nelson pelo belo arranjo.

Apesar do encarte luxuosa da ediçao em CD, a Rykodisc pisou na bola ao não listar os músicos na ficha técnica e ao fazer rápida menção a Oliver Nelson apenas no texto assinado por John Bender, sem destacar sua contribuição para o êxito da trilha.

Depois o Airto faria outras trilhas memoráveis, inclusive como diretor musical do "Apocalypse now", junto com o Mickey Hart (do Grateful Dead).
Woosh, 'nough said.

PS: E que gracinha a Maria Schneider... Aquela cena dela, de bruços, de calça jeans... E que seios! Saudade das gatas pré-lambaerobizadas, pré-erobitizadas nessas academias de pitgente...Realmente já tô velho - e me orgulho disso."

De: Antonio
Para: Arnaldo

"Arnaldo-san,
A trilha é fantástica mesmo! A música-tema é o filme. É, por asism dizer, o cheiro do filme, o seu perfume. Já a Maria Schneider é uma flor de carne. Literalmente. Muito gostosa - selvagem e lassa. Porque não é só o corpo que se corrompe nessas academias. É o tesão também. Transava-se com mais alma? Talvez... Ao menos, o culto que se fazia ao corpo era outro: éramos menos aeróbicos e mais tântricos."