20 de setembro de 2004
Das muitas esperas

O que faz girar a Roda? A lei de causa e efeito. Melhor dizendo: a lei de que a cada ação corresponde uma reação - de tal modo que o movimento é contínuo e auto-sustentado. Então como cessar o karma? Interrompendo a reação - já que nada podemos fazer sobre a ação alheia. Compaixão é a palavra-chave. Caridade é conseqüência, Rimbaud.

Eis onde budismo e cristianismo se tocam. Ou parecem se tocar, porque eu não sou teólogo. Sou só um cara que espera uma mulher tomar um banho rápido.

Uma das primeiras coisas que os homens aprendem sobre as mulheres é que "banho rápido" não significa a mesma coisa para homens e mulheres. E é assim e tem de ser assim e será assim ainda que os homens também se demorem nos chuveiros.
Mas cuidado, leitor, nunca é de chuveiros que falam as mulheres quando pensam em um banho, mesmo que ele seja essa coisa de definição obscura que é um "banho rápido". As mulheres pensam em banheiras quando falam em banhos, mesmo que só haja chuveiros. Para as mulheres, o chuveiro é uma banheira vertical onde elas tomam abstratos banhos rápidos. E os homens logo descobrem a volúpia de atentar com olhos sonsos o se acariciar dessas curvas por mãos tão absortas.

Mas pode-se também esperar imerso em um livro como este em que um rabino inspirado chamado Nilton Bonder compara a Internet à Cabala. O tema é tão surpreendente que parece beirar o absurdo, mas ao nos deparar com palavras como janela, portal, acesso, senha, código, linguagem, real e virtual logo percebemos que Nilton acertou bem no ponto, como a pedra de Davi na cabeça de Golias.

A dualidade real/ virtual já está presente no conceito aristotélico de atual/potencial. Nenhuma novidade por aí. A questão é que até ao século passado, a imaterialidade, a inatualidade, a insensibilidade do virtual/potencial levava ao questionamento de sua existência: "De que modo aquilo que não é pode ser?", nos pergunta o cético, desdenhoso. O que acontece, em resumo, é que a Internet materializou o virtual. A Internet é a síntese material de imensos conhecimentos. Mas pense este texto, que você lê agora impresso: ele é um cisco inapreensível em um HD - sua materialidade é quase nula. Mas ele está lá, na Rede, acessível a todos ao mesmo tempo e ao mesmo tempo quase inexistente, invisível ponto, talvez a bilhonésima parte de um CD!

"Deus descansa no tempo", escreve Nilton. Bonito, não? Isto também: "Todo lugar onde um ser humano erguer seus olhos para os céus é o Sanctum Sanctorum" (ou o lugar mais sagrado do templo). Trecho que, aliás, se encerra assim: "E toda palavra que é dita com sinceridade é o Nome de Deus".

Comprei o livro do Nilton, "Portais secretos", editado pela Rocco, em um saldão junto com mais quatro outros livros. Comprar livros para mim é um vício. Adoro estar cercado de livros. Sei lá, tê-los perto já é um pouco lê-los....

Não demorei mais de dez minutos de concentrada busca em um balcão repleto de livros para escolher estes cinco, mas o estranho é que, apesar da evidente disparidade deles, todos têm como ponto em comum a Cabala, o judaísmo e a Grande Rede. Só me dei conta disso depois. Não é obra do acaso, mas exemplo da força dessas 22 letras que fazem o hebraico e, como acreditam os cabalistas, este mundo.
Entre os livros está um que comprei simplesmente pelo autor: Thomas Mann. É um livro fino, que reúne duas novelas. A primeira chama-se "A lei" e foi ela que me revelou a tal coincidência da Cabala presente em todos os livros.

De cara, me impressionou a abertura do texto: "Seu nascimento fora irregular, por isso amava apaixonadamente a ordem, o inviolável, a regra e a proibição. Muito cedo começara a matar com fervor, portanto sabia melhor do que qualquer inexperiente que o ato de matar era verdadeiramente delicioso, mas que ter matado era medonho ao extremo e, por isso, não se deve matar." Impressiona...E, na sequência da leitura logo descobri que a novela é uma ficção qem torno da vida de Moisés.

E assim, vou passando de livro em livro a outro enquanto espero que esse outro livro que é teu corpo acabe de banhar-se.