"Minha alma faz fotossíntese", me diz a Juliana, feliz com Belo Horizonte ensolarada. Juju estava meio triste, nem sabia bem porquê, os olhos perdidos longe, mas num longe que só os mineiros alcançam, mesmo os mineiros por adoção, como é o caso da Ju, que nasceu no Paraná, mas quando se deu conta, já era mineira de perder os olhos em lonjuras que outros sequer vislumbram. Pois é preciso ter longe os olhos pra se olhar lá no fundo de si e perceber que se tem alma de flor.
Uma alma que se alimenta do sol, do céu azul, do sussurro
da brisa e que assim aconchegada no mundo, que é só
um dia, este dia, agora, pode fazer pouco das palavras, da
falsa eternidade delas, sempre tão ambíguas
e tão metidas a donas da verdade...
Mas o que têm as palavras a dizer de um dia como este,
que alimenta a alma e a põe à flor da pele,
toda corpo silenciosamente, deslizando pelas ladeiras de Belo
Horizonte, em comunhão com o universo inteiro?
Tamanha inteireza não está ao alcance das palavras,
escravas da sucessão, das histórias mal contadas
em começo, meio e fim - como se isso houvesse, como
se não fosse tudo simultâneo a tudo, num enorme
turbilhão.
Mas a gente só sente isto quando a alma se faz corpo
e assim cumpre seu destino de criar (e conservar) a sensual
eternidade do agora - que é só o que há,
sempre.
Pois é, Ju, somos isso que chamam de almas gêmeas. Porque eu (ou minha alma, tanto faz...)também me alimento do mesmo sol que aqui parece vir do mar bem cedinho, em espantosas explosões de cor que um dia já me valeram um poemeto:
Eu vi o violento vermelho
Virar-se do violeta ao azul:
Era o dia!
Novo sob o véu do orvalho,
Vivo,
De novo vindo do divino ventre da Natureza.
Pois eu também andava meio triste, me sentindo morto
por dentro, esquecido do sol. Acontece às vezes da
gente olhar a própria vida com olhos de não
que apagam qualquer sol que possa haver para instaurar uma
escuridão de abismo. Pra quê?
Um tênis novo pode mais às vezes do que o melhor
psicanalista: a vida não se resolve com palavras. A
vida se resolve em esquecimento, o genuíno esquecimento
de estar aqui, agora sob o sol que alimenta nossa alma de
flor.