11 de outubro de 2004
As rugas

As rugas não respeitam nem a imaturidade da gente. Elas insistem em aparecer ainda que você continue se sentindo um garoto por dentro. "Um garoto por dentro" é frase que soa ridícula a ouvidos rigorosos, sobretudo quando se refere a alguém que já passou dos 30. Mas a verdade é que, independente dos espelhos, cada um vai vivendo com a idade que sente ter, uma idade definida pelos sentimentos, crenças e esperanças que acalenta em silêncio dentro de si.

Eu, por exemplo, sinto que não só sou um garoto, como tenho muito para rejuvenescer - eu que ainda levo tão a sério coisas de que a sabedoria recomenda rir. Sim, porque a sabedoria tem todos os atributos da juventude: é alegre, ágil e generosa. Qualidades que muitas vezes me faltam, tão sombrio, pesado e egoísta me torno...
Mas eu tenho muito tempo para rejuvenescer. Na verdade, há uns dez, vinte anos eu era muito mais velho! No entanto, nenhuma ruga e todos os dentes.
Podia ter sido muito pior... Eu poderia ter envelhecido por dentro. Ou envilecido - que apesar do trocadilho, é o mais comum de acontecer. "Viver envilece?". Não, não é bem isso... Minha tese temporária é que o sujeito já nasce pronto; a vida só lhe dá as oportunidades de se exercer. Pronto? Não, semipronto... E vai se construindo aos poucos...

Lembrei de uns versos de Drummond:
"Pouco importa venha a velhice, que é a velhice?
Teus ombros suportam o mundo
e ele não pesa mais que a mão de uma criança."

Versos, aliás, escritos quando ele era jovem e flertava seriamente com o comunismo. Sim, porque, como eu dizia, as pessoas costumam ser mais sérias quando jovens. Sérias no sentido de preocupadas com a opinião alheia.

Natural... O sujeito ainda está se fazendo, e quer erguer-se em catedral. Com o tempo, a gente acaba virando alguma coisa, com o que tem e vai juntando quase à revelia, e em vez da catedral nos contentamos com o acréscimo aleatório de uns puxadinhos à casa que nascemos. Em compensação, perde-se aquele ar sisudo de candidato a bispo.

Perde-se? Sei lá, mas se deveria... É triste ver passar esses bispos sem catedral, a seriedade do rancor esculpida no rosto, se roendo de raiva pelo que não foram - e nem seriam, se pudessem de fato ter sido... Porque, quase sempre, são impossíveis e inúteis as catedrais que sonhamos, mero delírio compensatório para as frustrações que não conseguimos esquecer. Ah, quando só um puxadinho bastava...

Enfim, completando minha tese temporária - sim, temporária, leitor, porque isto não é um tratado, mas uma crônica que evolui sinuosa e incerta como uma valsa descompromissada com os passos - acho que as pessoas já nascem com uma idade certa. Quem crê em carma talvez não veja dificuldade em concordar. Eu só posso dizer que no fundo, no fundo me sinto mais ou menos o mesmo desde sempre. Contraditório, se acabei de dizer que me sinto rejuvenescendo? Nem tanto... É que vou tentando aparar meus defeitos e polir minhas qualidades. O que sobra sou eu mesmo, só que mais polido e aparado.

A vantagem que vejo é que ninguém consegue ficar muito pior do que já é. Em compensação, dá pra melhorar bastante. E os relógios e espelhos iludem mais que revelam. Meu amigo Carlos Newton, por exemplo, que acabou de fazer 60 anos, é bem mais jovem do que eu. Mas eu chego lá...