Tem coisas de que minha vista não cansa. Tem outras que ela não alcança. Vislumbra, apenas. Com essas, às vezes se conforma e se aquieta; outras vezes, se agita, curiosa - a minha vista. E as vistas da minha vista - que são muitas. Posso contá-las, enumerá-las todas. Começo com o Rio visto do alto. As vistas óbvias, aquelas de cartão postal: Pão de Açucar, Corcovado, Paineiras, São Conrado, Arpoador. E há as vistas inesperadas, raras, tipo o Rio visto do topo do Vidigal ou os súbitos recortes da cidade que Santa Teresa nos oferece, generosa padroeira dos ociosos sem angústia.
Há também a vista que do chão se tem
desses lugares: o Cristo que se infiltra sorrateiro por entre
as frestas dos prédios, o Pão de Açucar
visto do Aterro, íbis escavada na pedra, morro meio
cara de cão, meio cara de esfinge. Ah! Quase me esquecia:
a cidade vista da ponte Rio-Niterói, à noite,
debruçada sobre o mar, enfeitada de luzes feito moça
vaidosa que pisca para o sisudo céu de veludo.
E há, é claro, as vistas que são só
minhas - esta, por exemplo, que me encanta tanto: o mundo
visto da minha janela. Dida, dia desses, riu da coleção
que faço de fotos de nuvens tiradas da minha janela.
É que é vasto o horizonte que descortino. Vasto,
surpreendentemente vasto, para um lugar tão comum,
tão urbano. Quase nada se vê de humano. Não
há janela próxima demais e a gente pode andar
nu sem perder a dignidade. O que há de forte é
este contraste entre o recorte irregular dos prédios
vulgares e o céu, o imenso e cambiante céu,
com suas cores, seus ventos desenhando nuvens, a lua e seu
cortejo de estrelas, as gaivotas que vão e vêm,
nas correntes de ar. E os fulgurantes crepúsculos,
furiosos, fugidios.
Há, claro, outras vistas, visitas íntimas que
só eu vejo: "o couro das chinelas estalando no
chão a anunciar tua chegada: antes que eu te avistasse,
eu te antevia, esse jeito sério e sorridente seu de
monalisa e gato de Lewis Caroll - o melhor do meu dia, era
- minha melhor vista."
Mas tem coisa, muita coisa, de que já se cansa a vista.
Papo-saco enche. Nem catarata é, mas pura cascata.
Cansa a vista, mas a gente suporta - e adia. Suporta com uns
óculos pra perto. Mas não adianta: o que cansa
a vista é a falta de horizonte.
A vista se gasta vendo tudo sempre de muito perto, nessa
vida tão apertada de cidade. A vista precisa de horizonte,
do vazio e do imenso.
Senão cansa mesmo. Isto, claro, sem desfazer dos óculos,
nobres lentes sem as quais não haveria os Séculos
das Luzes, que a bem dizer já são quatro, desde
que Galileu fez seu telescópio e mostrou que a luz
era algo que podia ser colhido e comprimido com um jogo bem
montado de vidros...
* * *
Conta-me estupefacto o maestro Waldemar Mendonça Reis
que viu na TV um deputado discursar da tribuna da Câmara
incorporado de um espirito. Bem explicado: não era
o deputado ele próprio quem falava, mas uma voz do
além.
Concluímos, eu e o maestro, e com isto também
concordou Ivy Exner, que a noticia é alvissareira.
Em breve, não precisaremos mais votar apenas nos vivos.
Teremos a alternativa de também eleger os mortos.
Já posso imaginar a próxima campanha do baiano Duda: "Chega de vivos! Getúlio para presidente". Ou Jucelino. Ou qualquer outro. A bem dizer, o velho Duda só não aceitaria ser cambono do Jânio Quadros.
Abre-se também um novo campo para o Direito, em face da necessidade urgente de se criar o Código Eleitoral Espírita. Eu a primeira controvérsia que vislumbro é decidir se Stalin por exemplo poderia ser prefeito de Salvador ou Porto Alegre. O fato de um espírito ter sido russo o impediria de ser candidato no Brasil? São questões que numa terra de bacharéis há de render muitas comissões e muitos mil réis.