30 de maio de 2005
Vida interior

A gente se dá conta que está ficando velho quando se vê - ou melhor, se ouve - fazendo ginástica ao som das músicas que, no passado, embalavam nossas doideiras. E, no meu caso, põe passado nisso. Pedalar freneticamente numa aula de spinning ao som de Led Zepellin (ou mesmo Cazuza!) é uma ironia que qualquer um com mais de quarenta anos percebe de cara, sem que eu precise entrar em detalhes comprometedores.

Aliás, que eu me lembre, há 30 anos, ninguém esperava sequer chegar aos quarenta. Não que a gente quisesse morrer. Simplesmente, teríamos eternamente 29 anos. Na mente - eternos "jovens de espírito" - graças a uma mistura de certas ervas, muito incenso e uma filosofia vagamente oriental. E o corpo, claro, acompanharia o espírito.

Imaturidade? Certamente - eu admito. Mas a coisa foi ficando pior nas décadas seguintes. À ingenuidade dos anos 70 e à imaturidade dos anos 80, seguiu-se a imbecilidade pura e simples dos anos 90. De lá pra cá, ninguém mais fala em ser "jovem de espírito". Todos querem ser jovens de corpo mesmo. E que se dane o espírito! O imbecil sarado é mais do que um paradigma. O imbecil sarado é um fato. Ninguém parece mais ter vergonha de ser burro, desde que tenha músculos suficientes.

Por via das dúvidas, sigo pedalando velozmente sem ir a lugar nenhum. Um passeio virtual pela minha memória musical.

Nunca fui muito ligado à música, devo confessar. Não que eu ache um mérito, um signo de superioridade intelectual, essa minha indiferença pela música popular e contemporânea. Adoro música clássica e jazz. Ouço com prazer MPB, rock ou qualquer coisa que tenha se incorporado à trilha sonora da minha vida ou da minha geração, mesmo que por força da mera repetição. Vou me dando conta disso à medida que a aula evolui...

Mas acho um exagero o culto que se presta aos "ídolos pop". Na verdade, nunca tive um ídolo. Ou melhor, meus ídolos sempre foram literários: Rubem Braga, Machado de Assis, Graham Greene, Nélson Rodrigues, Kurt Vonnegut - vou citando de cabeça alguns dos meus "primeiros autores", aqueles por quem a gente se apaixona de cara e tenta ler tudo... Mas devia ter começado do começo: as histórias em quadrinhos. Como eu li gibi na minha vida! Só as histórias em quadrinhos já mereceriam uma crônica...

Meu negócio sempre foi literatura. Não devo ter comprado mais do que 30 discos na vida e hoje tenho, no máximo, uns 200 CDs. Mas devo ter mais de três mil livros. Eu diria mesmo que existe uma certa incompatibilidade entre livros e música, ao menos em um sentido: literatura é sinônimo de silêncio. De vida interior.

Opa! Desconfio que chegamos a um lugar-comum caído em desuso: vida interior. A impressão que tenho é que hoje vida interior é sinônimo de preocupação e problemas. Neuroses que devem ser tratadas em terapias e medicadas com Prozac. Enfim, vida interior é uma dor de cabeça: é nesse escaninho que guardamos as contas a pagar.