13 de junho de 2005
Fragmentos

Os dias se sucedem com a velocidade de uma máquina de cassino. Penso "ontem" e a mente vacila, sem saber exatamente para onde apontar. Difícil acompanhar a vida que passa velozmente sem que nada pareça de fato acontecer. Mas só agora que escrevo percebo o quanto estou sendo injusto. O que há são várias coisas se desenvolvendo, cada uma em um tempo próprio, como plantas de um jardim ou instrumentos de uma orquestra. Aos poucos, em fragmentos, num ritmo imprevisível, vão brotando flores e melodias.
Sim, sim, toda a injustiça consiste em não perceber a música que há nisso, em não perceber o desenho do jardim, em não dar a cada planta a atenção devida. Isso! Atenção. Essa é a palavra-chave. Tão fácil de dizer, tão difícil de aplicar. Não basta tentar fixar a mente obsessiva em algum ponto. Não! É preciso cultivar o desapego.

Ou, tentando ser mais exato, a desambição: viver intensamente sem nada querer. Flanar pelas ruas da cidade e da vida com olhos velozes e carinhosos, que deslizam sobre tudo sem se fixar em nada, sobrepondo imagens quase simultâneas sem querer produzir a ilusão final de um sentido, esse preconceito último e difícil de se livrar.

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O homem-tronco parece brotar da calçada apinhada de gente como uma escultura inesperada. Os braços fortes cruzados sobre o peito, a cabeça virada para o lado, ele olha para o nada, os olhos concentrados em si mesmo. A inabalável solidão das estátuas recobre a metade viva de seu corpo com uma pátina de bronze. Finalmente, ele pisca, como querendo me sinalizar sua humanidade em meio à multidão que passa absorta, caótica e sorrateira: rebanho disperso de histórias.

Ah! Há livros demais para se ler, mulheres demais para se amar. Belos livros de capas vistosas, belas mulheres de corpo provocante. Não haverá tempo para tantos livros, para tantas mulheres. Não, não... Flanar apenas pelas ruas dessa vida, intensamente sem nada querer. A sabedoria não está nos livros, o amor não está no desejo.

O homem-tronco é feliz, está feliz, será feliz. O homem-tronco é, simplesmente, fiel a seu destino, confiante na caridade dos passantes, mas sem que de seus olhos escorram a mínima baba suplicante. O homem-tronco é um momentâneo monumento à humanidade inteira!

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A risada de Rosalee. A risada de Rosalee ressoa espontânea, aconchegante, feliz. É bom ser o dono de umas frases que merecem uma risada tão genuína. Onde ainda encontrar uma risada assim? Uma risada que é um sim que se espalha generoso e tranqüilizador. Sim, sim, a risada de Rosalee ressoa na livraria imensa sem que ninguém se dê conta. Há livros demais neste mundo - e tão poucas risadas assim.

Então por que desejar editar mais um livro, uma coletânea destas crônicas cuja graça está em simplesmente passar como os dias, como um detalhe da paisagem? Por que mais um livro entre tantos? Vaidade das vaidades: querer ficar. Mais sábio seria desejar possuir uma risada como a de Rosalee.