11 de julho de 2005
Mais uma tese crepuscular

Sempre que essas crises periódicas se agravam e começam a empapar as almas de pessimismo eu subo num caixote imaginário e começo a pregar aos passantes: "Consultem o IBGE! Consultem o IBGE!". As estatísticas do IBGE são o nosso Óraculo de Delfos e seus números falam mais do Brasil e dos brasileiros do que todas as teses e conjecturas dos cientistas polítcos (seja lá o que isso signifique), sociológos, antropólogos e outros arquipélagos que aparecem nessas horas para nos vender receitas e elixires do tipo parlamentarismo, voto em lista e teorias conspiratórias.

Consultem o IBGE. O site (www.ibge.gov.br) é do tipo "bonitinho, mas ordinário", feito por algum webdesigner iletrado que não entende nada de lógica de navegação. Mas os oráculos são assim mesmo, enigmáticos, e com um pouco de atenção o leitor encontrará a sessão relativa aos censos. É lá que a gente descobre o óbvio: o Brasil é um país jovem.

Basta consultar os censos a partir de 1960, para juntar duas informações fundamentais ao entendimento do Brasil hoje. A primeira é que, de lá pra cá, de 1960 a 2005, a população brasileira passou de 70 milhões para pouco mais de 175 milhões. Ou seja: 105 milhões de brasileiros têm até 45 anos!

A segunda é que só em algum momento entre o censo de 1960 e o de 1970 (admitamos que tenha sido em 1965 para cravarmos números redondos e dizer "Há 40 anos") o Brasil tornou-se de fato um país predominantemente urbano e industrial, com mais da metade da população vivendo nas cidades.

De posse dessas duas informações, eis que lanço mais um tese do Crepusculismo, escola filosófica despretensiosa criada por mim para explicar o homem, o Brasil e o mundo (este e os outros): o Brasil é um país jovem que há 40 anos começou a construir uma identidade urbano-industrial ainda inacabada.

Claro, a construção começa muito antes, com as vanguardas que foram preparando o projeto, mas, para efeito de tese, afirmo que só por volta de 1965 a pedra fundamental foi lançada.

Algum animado pessimista poderá dizer: "Quarenta anos para chegar a isto?". Ao que eu retruco com a calma que caracteriza os filósofos crepusculares: "Quarenta anos não é nada!" Em 40 anos, mal temos tempo para construir uma identidade pessoal genuína, o que dirá uma identidade nacional!

E essa construção se faz sobre o acidentado terreno de uma herança de 450 anos de cultura agrária, rural - que resiste até hoje. Basta olhar para os homens que nos governam.
A maior parte das instituições e dessa gente que está no poder nasceu sob a hegemonia desse pensamento rural ainda presente à esquerda e à direita, indistintamente.

A Constituição de 88 nos foi legada por gente como Ulisses e Tancredo, versão requentada da política do café-com-leite. Sarney, ACM, Severino, Renan são todos barões ou capitães do mato, cadáveres adiados de um passado que resiste.

Do Jeca Tatu ao Zé Dirceu, do Sítio do Picapau Amarelo à guerrilha do Araguaia, do Visconde de Sabugosa a Fidel Castro, a esquerda ainda está atada a fantasias rurais enraizadas no imaginário infantil.

Enfim, assumindo por mera comodidade essa divisão da política em esquerda e direita - que os últimos escândalos têm servido para mostrar falsa, já que todos nunca pareceram tão iguais - eu diria que, se a direita ainda não largou o chicote, a esquerda ainda não largou a chupeta, agarradas que estão a perversões rurais que mais as unem que separam. No fundo, ninguém quer largar a mandioca.

A verdade é que as gerações pós-65 ainda não emplacaram ninguém no poder. Mais do que nunca, não vale a pena confiar em quem tenha mais de 45 anos. De espírito, porque o que não falta é gente nascendo ainda com mentalidade de coronel - cubano ou pernambucano, tanto faz.