22 de maio de 2006
Divagações

Estava pensando na vida, quando de repente lembrei de uma frase que escrevi há anos, séculos, tanto tempo que hoje me parece uma outra vida: "No mar, só o presente não existe". Como disse, a frase me ocorreu de repente, em meio à leitura de um livro de Física sobre a teoria das supercordas. O livro, de Brian Greene, tem um título atraente, "The elegant Universe". Eu o comprei há cinco anos, em Nova York, e nunca cheguei a lê-lo de fato. Comecei lá, mas, já de volta, fui perdendo o ânimo de ler em inglês, o que é uma lástima, pois comprei alguns outros livros excelentes e que valiam a pena serem lidos no original - entre eles o magistral e maldito "Under the volcano", de Malcolm Lowry.

Existe uma versão em português, "O Universo elegante", publicado pela Companhia das Letras (Eu preferiria traduzir o título por "A elegância do Universo", mas só isso já seria uma longa discussão). Como a edição é cara, eu, por uma dessas turrices próprias, segundo dizem, dos nativos de Touro, decidi que seria um desperdício comprá-la, uma vez que possuía já o original. E assim foi.

Outro dia, retomei o livro, vagamente motivado por uma menininha que, no Hortifruti, perguntou à mãe por que tudo é redondo (Quem não leu essa crônica, chamada Big-Bang!, pode encontrá-la no Café Impresso: www.cafeimpresso.com.br).

A luz e o tempo são os protagonistas dessa Física sempre-nova, inaugurada por Einstein há pouco mais de 100 anos e fundada na mesma lógica onírica que Freud, quase simultaneamente, associaria ao desejo e ao inconsciente. O começo do século 20, aliás, é de uma ebulição radical que não encontra paralelo, acho eu, na história humana. No curtíssimo período de duas décadas, o mundo mudou inteiramente de figura: a arquitetura, o desenho dos objetos cotidianos, as roupas, a música, a filosofia, a ciência, a política. O século 19 foi, de uma hora para outra, varrido do mapa.

Mas foi justamente por conta dessas reflexões sobre o tempo que saí divagando, divagando e acabei me deparando com essa tal frase minha, lá do meu passado quase imemorial: "No mar, só o presente não existe". Apesar de, naquele momento, ela ter um sentido claro, lembrei estarrecido que houve uma época em que a frase perdeu o sentido. Sabia que lhe atribuíra um, mas perdera a memória dele. Era como um enigma.

Isso me inquietou: como posso escrever algo e depois lhe perder o sentido? E ainda mais um sentido tão óbvio, apesar da simplicidade meio torta da frase: no mar, no mar como eu o imagino, o que se vive é a trajetória, a ponte entre o passado e o futuro que tem no presente o seu maior obstáculo. O mar, "antiqüíssimo e idêntico" (Fernando Pessoa), é, aliás, a própria negação do presente singular e fugidio.

Era só isso o que eu queria dizer, numa frase tortuosa que tentava ser poética. Nem importa se verdadeira ou falsa, se boa ou má representação da arte de navegar. Importa é que de repente ela perdeu o sentido.

E, para que ninguém diga que esta crônica é um amontoado de idéias desconexas, eis que chegamos ao fim não com apenas uma "moral da história", mas duas! A primeira: que é preciso estar atento para não deixar que as idéias que acreditamos belas se tornem vazias de sentido; não deixar, enfim, que as palavras substituam definitivamente as coisas e tudo se reduza a nomes e números. E a segunda: que a pressa de alcançar o futuro não nos leve a sacrificar o presente, nosso único e genuíno bem.