29 de maio de 2006
Meu pintor favorito

Eu adoro Hopper, Edward Hopper. Um amor mais ou menos recente, que foi crescendo aos poucos, até torná-lo meu pintor favorito. Foi como se descobrir apaixonado por uma conhecida de muitos anos. Coincide com o meu também crescente cansaço dessa coisa vaga e antiga chamada "arte moderna", essencialmente não-figurativa e conceitual. Uma arte cujo valor não se funda em si mesma, mas no que pretende significar em termos políticos contestatórios e que, quase sempre, vem acompanhada de manifestos explicativos de uma estupidez hermética que faz rir de pena quem tenha um mínimo de intimidade com as palavras e alguma coragem intelectual.

Nessa definição se inclui quase 100% do que está exposto em museus e galerias que, por isso, ficam entregues às moscas e à esperteza comercial dos marchands. Não é à toa que o melhor da "arte moderna" brasileira está no Museu do Folclore, aqui na rua do Catete.

É impressionante o vigor e a vitalidade dessa arte que a burrice institucional tenta aprisionar em gavetas como "folclore" e "arte popular". Por razões mais históricas do que estéticas, sinto, sim, a maior admiração pela arte revolucionária que explodiu nas primeiras décadas do século 20 e chego mesmo a gostar de algumas obras e artistas. Mas quase tudo da "arte moderna" posterior, contemporânea sobretudo, não me diz nada.

Já Hopper me fala direto ao coração. Não conheço quem não goste de Hopper uma vez apresentado a ele. E não é raro que as pessoas já conheçam e admirem alguma obra dele sem lhe ter associado a autoria. Acho que já contei minha "descoberta" de Hopper, mas vale a repetição.

Estive em Nova York há cinco anos. Eu sou dessas pessoas para quem uma ida a outro bairro é já uma viagem; um desses provincianos capazes de nascer e morrer sem jamais sair dos dez quarteirões de sua infância. Uma das motivações que arranjei para ir a Nova York foi a esperança de sair esbarrando em quadros de Pollock a cada esquina.

Tomaria algumas linhas explicar minha aparentemente contraditória paixão por Pollock, mas a resumo numa equação: o Cubismo está para a Relatividade assim como o Acting Painting está para a Física Quântica! Mas quase não encontrei Pollocks em Nova York.

Em compensação, "descobri" por acaso Hopper no Moma. Já conhecia a obra, mas nunca vira ao vivo um quadro dele. Lembro até hoje: de repente, reparei que de uma sala jorrava uma intensa luz. Entrei. Era uma das salas de quadros de Hopper! Essa inacreditável luminosidade que emana dos quadros dele é até perceptível nas reproduções digitais que facilmente se encontram na Internet. Mas vê-la é outra coisa, uma experiência inenarrável e inesquecível.

A luz e a solidão são os temas de Hopper. Ninguém pintou a solidão como ele, poucos souberam captar a luz como ele. Em Hopper, a solidão não é dor, mas o traço essencial do humano. Há uma nobre e instintiva aceitação da solidão nos seus personagens.

Concentrada ou distraída, contemplativa ou introspectiva, é possível até captar às vezes alguma amargura na solidão deles, mas jamais desespero: a luz os salva.

Em Hopper percebemos que luz é vida. Seus personagens estão vivos, vivíssimos, conservados em sua vitalidade e esperança pela luz de Hopper. Singelamente, ao criar luz, Hopper foi Deus, sem nenhum alarde.