10 de julho de 2006
Manhã de inverno

Belíssima manhã de julho, silenciosa e cálida. As ruas ainda vazias esperam que a cidade acorde para mais um dia assim, desse inverno glorioso que paira sobre o Rio quase em segredo, indiferente aos fatos que se esforçam para entrar na História. Mas quem registrará a beleza desses dias e noites como há muito não se via? A Copa, as eleições, as guerras, todos esses conflitos sucessivos e incessantes, provam apenas que falta ainda muito tempo para que os distintos torcedores e eleitores percebam o óbvio: a minuciosa simplicidade da vida.

Mas quantos se permitirão chegar à janela para admirar com olhos de calmo espanto a manhã que se abre inédita, original e especialmente bela e intuir que a vida não se mede em vitórias e fracassos, prêmios e castigos - que a vida não se mede, enfim? A vida é já o sentido. E nem há outra necessidade. Quem respirasse este ar tão fino e atentasse para o discreto canto dos poucos pássaros da rua, haveria de sentir o mesmo: que a sabedoria da vida não está em se encher de coisas e crenças, paixões por seres e entidades frias ou intocáveis, mortas ou distantes, mas em amar em silêncio a manhã que nasce para todos, todos os dias, com o mesmo júbilo.

Quem são, afinal, esses nomes que abusam da ingênua confiança que lhes damos para nos oferecer novos objetos e promessas de um futuro melhor? Quem carece de futuro se o presente está aí, ao alcance da mão? Quem carece de líderes e ídolos se não é preciso ir mais longe ou ser mais do que si mesmo? Quem precisa de mais do que de si mesmo?

Haverá o dia em que os justos se descobrirão muitos e suficientes; então, de sua pacífica recusa em continuar, o mundo irá se tornando outro. Primeiro, muito discreta e lentamente; mas logo numa velocidade avassaladora.

Há de chegar esse dia em que, diante de uma manhã assim, ninguém ligará o rádio ou a tv; ninguém abrirá o jornal em busca de notícias ou sequer parará nas bancas para comparar as manchetes. Desse dia em diante, não haverá mais platéias: os políticos e os artistas se exibirão para ninguém, porque o homem, o homem comum, amará apenas o próximo (aquele que está perto) e a si mesmo. E a riqueza maior será ter pouco, porque cada um descobrirá o mau gosto do excesso.

Daqui, desta janela, diante do sol que se ergue límpido, posso vislumbrar esse dia. É sonho, é bruma - mas virá, tão fácil e natural como sonho e bruma.

E assim, alimentado de sol, de sonho e de bruma saio da janela e mergulho no cotidiano de onde penso extrair esta crônica e um café bem quente e forte. Tenho fé, tenho esperança e nenhuma pressa. Sou feliz e não preciso de mais.