19 de novembro de 2007
A lição da chuva

A leste, o céu está rugindo. Pesadas nuvens cinzentas ocupam todo o horizonte e a tempestade avança lenta, majestosa, desafiadora. Os vidros tremem ao som grave e retumbante dos trovões. Parecem canhões nos subúrbios de uma cidade sitiada prestes a ser tomada pelo inimigo. Mas é domingo e a minha rua descansa, distraída. Ninguém parece se dar conta dos perigos do temporal iminente. Apenas eu, do alto do meu oitavo andar, observo, fascinado. Logo, o risco cor de prata dos relâmpagos rasgará o céu e os trovões serão tão evidentes que ninguém mais poderá ignorar a chuva que virá, violenta - e cruel para muitos.

Agora é ainda essa iminência eletrizante e cinza, que mal se ouve de tão grave. Agora sou eu na janela do meu quarto me sentindo um profeta a antever o apocalipse que meus vizinhos, em sua letargia, ignoram. Eis uma mostra da mais completa solidão: a solidão do vidente - pois como compartilhar o que só ele vê?

Agora é essa sensação de tragédia pequena, comum e mundana que eu trato de amplificar para dela extrair uma metáfora vaga dos tempos que correm ou, quem sabe, do que me vai por dentro. Porque também me habitam tempestades. Sim, essa beleza bruta também mora em mim. Essa violência contida que mistura dor e alegria desmedidas - isso também sou eu. Um eu que às vezes me ameaça arrebentar o coração e me inundar o peito, transbordante, fértil, imprevisível.

Quantas vezes no passado já me aconteceu assim, para o bem e para o mal? Quantas vezes essa loucura que vem do leste me tomou e fui ora estúpido ou genial, ora lúcido ou obscuro, ora nobre ou vil, segundo os ventos indecifráveis que me correm pela alma?

Chamam a isso de juventude, porque vem do leste. Que seja, mas o tempo não é remédio. Ensina, sim, a evitar se expor nesses dias nebulosos, a se esconder dessas chuvas torrenciais. A não mais desafiá-los, nem neles se fiar. Nem tampouco nos esplendorosos dias de paz. Ser indiferente à calma e à tormenta, o tempo ensina. Difícil, difícil mesmo, é aprender.

Enquanto escrevo, o cheiro inconfundível de pedra molhada se espalha no ar. Volto à janela. Grossos pingos de chuva muito frios já começam a cair e estalam no parapeito. Fecho os olhos e me deixo molhar. Todo presente, qualquer presente, é sempre uma dádiva.