3 de março de 2008
A borboleta no shopping

Era uma borboleta amarela. Ou mais exatamente: amarela, preta e branca. Entrou no shopping não sei se impulsionada pelo vento ou pela vontade de suas asas grandes e vistosas. Encontrá-la foi tão inesperado que custei a reconhecê-la: quem pode imaginar uma borboleta num shopping? Até ela se tornar bem nítida aos meus olhos, não soube dizer o que era. Em poucos e intensos segundos, passei da incerteza absoluta - "o que é isso?" - ao mais puro encantamento - "uma borboleta no shopping!".

Tudo bem, é um shopping pequeno, de bairro, com uma entrada principal que dá para a avenida, e outra lateral, menor, que dá para a minha rua. Três andares, ar condicionado, mármore, vidro e aço - enfim, nada que combine com borboletas.

Mas lá estava ela, toda serelepe. Parei para admirá-la e por um instante ela, vaidosa, pairou também, admirada talvez de tamanha admiração. Farfalhou diante de mim, quase imóvel, num flerte de amantes impossíveis e então seguiu seu vôo apressado e indeciso de mulher flanando entre vitrines.

Também eu quis seguir meu caminho e cheguei mesmo a dar dois passos, mas percebi de repente que ela me capturara. Fiz meia volta e segui atrás da borboleta que já se alçara mais alto, longe do olhar humano. De fato, minha expressão maravilhada ainda buscou espelho no rosto dos passantes, mas ninguém parecia se dar conta de que uma borboleta amarela voava pelo shopping, nobilíssima.

Fez que subiria para o segundo andar, mas de súbito cortou em diagonal para a praça de alimentação entre as duas escadas rolantes e sumiu no teto de um quiosque. Sem saber o que fazer, resolvi esperar que ela retomasse o fôlego. Breve e delicada é a vida das borboletas; não convinha apressá-la. Encostei-me ao balcão do café e pedi um expresso. Dali eu poderia vê-la retomar seu vôo e então... Eu não sabia ainda. Talvez apenas lhe lançasse um olhar cúmplice de despedida e fosse pagar minhas contas. Mas iria com o coração aquecido pela secreta loucura de flertar com borboletas.

Então me surgiu um conhecido, desses com quem trocamos palavras cordiais e rasas, reservando outras mais ácidas para falar sobre o que não importa: o futebol, a política, a vida dos outros. Faltava-nos a genuína intimidade dos que partilham o silêncio sem desconforto para que eu pudesse lhe dizer que toda minha atenção aguardava o vôo de uma borboleta amarela. Talvez se explicasse que era esse o título do meu primeiro livro sério, tantas vezes lido e relido e que por causa dele foi que decidi me tornar cronista... Bem, se eu lhe dissesse tudo isso o mais certo é que só alongasse ainda mais nossa conversa... Não tive como saber. Naquela fração de segundos em que os cariocas se atracam em efusivas despedidas, minha borboleta amarela levantou vôo porque quando olhei de novo ela já subia veloz para logo se perder destas vistas cansadas que já reclamam óculos definitivos.

Foi-se embora minha borboleta amarela, mas me deixou esta crônica, que vem a ser modesta sobrinha-neta daquela de Rubem Braga.