27 de abril de 2008
A verdade das coisas

É, eu acho que há mesmo um mistério em cada fato. Um mistério que confere a cada fato urgência e delicadeza, ainda que cada fato por si mesmo não seja mais do que um fiapo de nuvem, um fiapo de nuvem que se junta a outro fiapo de nuvem e mais outro e vai traçando no ar um desenho que, de um momento para outro, de ovelha pode tornar-se a cara do seu avô ou um coro de anjos dançando no céu. Essa plasticidade da vida é o fundamento positivíssimo dessa desimportância de todos os fatos: tudo sempre pode ser de outro modo. É ela que oferece o solo fértil para a vontade, do ato mais simples ao milagre. Para que amanhã você acorde e diga: "Não mais!".

Cada fato se abre para uma infinidade de outros fatos possíveis como um fruto carrega dentro de si uma infinidade de sementes e cada uma delas uma árvore capaz de produzir uma infinidade de outros frutos e assim infindavelmente. Por isso, exatamente por isso, haverá sempre sentido em tudo. Um sentido que, quanto mais atenção dermos ao fato, mais profundo e singular ele nos parecerá.

É como esses mapas que a gente encontra na internet: você começa focando o planeta, depois o continente, o país, o estado, a cidade, o bairro, o prédio e finalmente uma janela em particular que em ninguém mais haverá de provocar sorrisos e suspiros senão em mim.

Repare: minha imaginação nada acrescenta ao sentido dessa janela, tão igual a todas as outras do prédio. É meu amor que alcança o sentido singular dela que, na verdade, nada tem de subjetivo. Pois, mesmo que outros duvidem das qualidades que atribuo a sua moradora, quem poderá dizer tê-la conhecido tão de perto? Quem pode então me desmentir?

Portanto, não é a imaginação que cria o sentido; é o amor que o descobre. Não criamos sentido, apenas nos dedicamos a encontrá-lo. O sentido das coisas está nas coisas e nenhum outro aparato - intelectual ou mecânico - é necessário para encontrá-lo além dessa "atenção dedicada" que bem podemos chamar de amor.

Isso não significa que não possamos nos enganar. Muito mais vezes do que gostaríamos, o desejo nos cega e então deixamos de ver o que é e passamos a ver o que desejamos que fosse. Sim, não são os fatos que nos enganam. Somos nós mesmos que nos deixamos enganar - por arrogância, comodidade, fraqueza... Sim, só os erros são genuinamente nossos. A verdade pertence às coisas e nelas repousa mansamente à espera de nosso olhar mais amoroso.