25 de agosto de 2008
Margaridas

Você chegou com elas de surpresa, numa tarde ensolarada de sábado. Uma braçada de margaridas amarelas muito vistosas, acomodadas num vasinho de barro. Rimavam, luminosas, com você e a tarde. E assim passamos as horas, nós dois e as margaridas, até o sol se pôr preguiçosamente, levando você. Ficaram as margaridas.

Nos primeiros dias, as tratei com um carinho formal, quase burocrático. Era simples: bastava alimentar de água o pratinho improvisado sob o vaso e só, você dissera. Mas, numa manhã, achei as margaridas um pouco pálidas e resolvi colocá-las próximas do sol, que nesta época do ano inunda meu quarto quase o dia todo. Subi a persiana e as deixei lá tomando luz, mantendo o pratinho sempre abastecido de água. O resultado foi imediato: me emocionou o vigor com que elas reagiram a essa simples combinação de água e luz, a beleza que me devolviam em troca dessa atenção tão fácil que eu lhes dava, o poderoso amarelo que irradiavam pela casa.

Passei a repetir esse ritual todos os dias e então aconteceu o imprevisto: quase sem me dar conta, fui me afeiçoando a elas. Não foram poucas as vezes que me peguei as admirando de longe, com ar de distraído encantamento. Elas me lembravam você, é verdade. Mas o que não me lembra você, afinal? A felicidade é sempre comovente e as margaridas estavam felizes, amarelamente felizes.

Acredito que, por tudo isso, só agora, quase vinte dias depois de você trazê-las, é que elas começam a dar sinal de que irão morrer. Ou melhor, fenecer - porque flores não morrem, fenecem. Por quase vinte inacreditáveis dias, as margaridas reinaram solares em minha casa. E eu me afeiçoei a elas. E acredito piamente que elas se afeiçoaram a mim - ou não teriam durado tanto. Agora, mal começam a se despedir e eu sinto já saudade delas.

Claro, posso comprar outras - e tomar o cuidado de não tratá-las de modo a fazê-las durar tanto. Mas essas... Mesmo que haja outras, sentirei falta do seu silêncio amarelo. Sim, talvez seja isso. Sem que eu esperasse, essas margaridas que você trouxe me ensinaram o valor do silêncio luminoso das flores. Assim como você tem me ensinado - sem que nenhum de nós pudesse jamais supor - o sentido do amor - tão simples, tão exato, tão verdadeiro. Quando digo "amo você" é como se dissesse, por exemplo, "chove" - pois sinto no corpo as gotas que caem do céu e a ninguém ocorrerá perguntar "o que é chover?". Quando digo "amo você" isso não é um peso ou uma exigência. Isso não é sequer uma declaração de amor. É apenas a perplexa e humilde constatação de que algo mudou em mim minuciosa e profundamente. Então tudo que eu posso sussurrar ou escrever em letrinhas bem miúdas que só você se interessasse em ler é "obrigado" - pelo amor e pelas flores, essas duas formas do silêncio.