27 de outubro de 2008
Numa esquina de Ipanema

... e, no entanto, eu sigo vivendo entre júbilos extremos, fingindo - sempre em nome da justiça - não saber onde acaba a indiferença e começa o desprezo ou quando a bondade é apenas o nome que invento para minha fraqueza - pois, se me dispo dessas ilusões de autoridade e grandeza, o que resta nem nada é ainda - de tão pequeno, como qualquer coisa que de ilusões se dispa.

E é então que tudo deveria começar... Mas como suportar essa nudez? Quanto tempo até que a alma aprenda a se adequar ao corpo, a esse tempo que flui sempre para frente - até o fim? Quantas mortes ainda até a morte definitiva - suposto portal para não se sabe o que não será mais a vida - esta força que ordena a matéria dispersa e a faz durar, durar, durar...

"Que as rosas não se desfaçam em borboletas e das macieiras não brotem diamantes não é mais surpreendente que as rosas, as borboletas, a macieira e os diamantes".

Em cada semente todas as árvores, em cada cópula todos os homens. Infinidade de seres finitos que se sucedem sem cessar, a vida segue sendo "eterna enquanto dura".

Por isso o sexo pulsa - agora, sempre - em toda parte: nos insetos e nas flores, nas vitrines, nas mulheres belas e nas feias, em todos os bichos e em todos os homens, nas fotos, nas poses, em todos os olhos - seja projeto, frustração ou fato - não importa, em todas as taras e vícios, em todas as canções e poemas, em tudo que é escrito e falado - pulsa - coração da rua banhada de sol - Ipanema mítica - "só por causa do amor, só por causa do amor, só por causa do amor..."

Sexo - em tudo, por tudo: no sexo a eternidade da vida.

Brutal, selvagem, a vida desafia o homem a possuí-la porque os olhos dele parecem desvendá-la. Ela quer saber-se e o homem, cheio de vida, quer domá-la.

Por isso ao homem soa tão repugnante o apelo para que renuncie à vida. Basta-lhe o vislumbre do Deus múltiplo que há na vida. Mas ele sabe, bem lá fundo ele sabe, que se quiser a unidade terá de renunciar à vida. "Mas não ainda, Deus, não ainda...".

Por isso o homem, todo homem e cada um em sua medida, quer os dois. Tenta os dois. E sempre, cada um a seu modo, os alcança, um pouco mais a cada vida, tão íntimo é deste mundo o homem... Sim, os alcança, sim, posso ver nesses olhos, em todos esses olhos, seja como projeto, frustração ou fato, não importa: "Crescei e multiplicai-vos".