Carnaval

Manhã nublada, silenciosa e morna. É segunda-feira de carnaval, informaria o calendário, se consultado. Impossível, no entanto, deduzir o carnaval da imobilidade e do silêncio das ruas. Terão desistido? Claro que não! Apenas dormem os foliões exaustos; e talvez sonhem com um carnaval que já não existe. Mas terá mesmo existido esse carnaval ingênuo e simplório das marchinhas onde a vaidade egoísta da colombina alimenta a perversa melancolia do pierrô?

Ontem à noite, milhares de pessoas lotavam os vagões do metrô, atravessando a cidade de um lado para outro, feito formigas laboriosas. Iam alegres, batucando e cantando, algumas em grupos fantasiados que em algum ponto se juntariam a escolas ou blocos. Era gente de todas as idades e classes, brasileiros e estrangeiros de todo o mundo (só ali, à minha volta no vagão, havia alemães, portugueses, israelenses e uns que me pareceram ingleses).

Imaginei ter visto nos olhos estrangeiros o brilho sincero de uma curiosidade que relutava entre a compaixão e o ceticismo.

Já muitos dos brasileiros carregavam o olhar opaco do enfado. Pareciam cumprir alguma obrigação cívica ou religiosa e faziam questão de exibir uma cara de procissão. Era sua máscara.

Claro, predominava a alegria, alegria genuína que se amparava no álcool e no grupo mais por exuberância do que por necessidade.

Enfim, Antonio provou do carnaval e viu que era bom. No entanto, em seu coração não sei se nostálgico ou só antigo, Antonio sentiu que o carnaval já não era mais o mesmo. Perdera o que talvez fosse a sua essência: a ilusão. Desesperada ou ingênua, não importa. Para cada ilusão, por mais íntima que fosse, havia sempre a tradução de uma fantasia. E, sobre todas, vestindo todas, pairava a ilusão maior e primeira: a ilusão do amor – carnal, romântico e definitivo.

Enfim, Antonio provou do carnaval e viu que ainda era bom – mas já não tinha ilusão. Nesta noite, sua alma – não sei se nostálgica ou só antiga – fantasiou-se de pierrô e foi dormir mais cedo para amanhecer numa segunda-feira que nem parecia de carnaval.

2 Comentários

  1. Antonio acha o máximo Elenita achá-lo o máximo. Ao saber disso, sua alma fantasia-se de arlequim e alegríssima desfila de madrugada no bloco do Eu Sozinho na vazia e imaginária avenida Antonio Caetano.Vaidosa, essa alma foliã só pediria a Elenita que repetisse o cometário lá no Café Impresso para que não houvesse o menor risco de que não o lessem!

  2. Elenita é fã de Antônio. Elenita acha Antônio o máximo. Elenita achar que Antônio tem a habilidade literária de pinçar fatos do cotidiano que aparentemente são triviais e comuns e transformá-los em situações de epifania para seus ‘personagens’, com quem sempre se identifica Elenita.(Jeito torto de fazer um elogio já guardado há alguns meses. Bom ‘carnaval’ e um grande beijo.)

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