Antecipação de maio

“O tormento do corpo é a dor. O tormento da alma é o tempo.”

As palavras me ocorrem enquanto medito. Imóvel na manhã silenciosa, sinto que a dor no corpo vai e vem no ritmo da minha ansiedade: “Quanto tempo ainda falta?” é o sentimento que a desperta. Quando aplaco a vontade de partir, a dor cessa de imediato.
Mas logo paradoxalmente a súbita paz torna-se às vezes insuportável. E então a ansiedade e a dor retornam: sou de novo eu, com meus horários e tarefas, irrisórios e inadiáveis.

“O tormento do corpo é a dor. O tormento da alma é o tempo.”

Guardo as palavras. São versos que, de tão verdadeiros, me acalmam. Tão verdadeiros e belos como uma equação para o matemático. Saboreio seu ritmo e sonoridade ao mesmo tempo em que experimento diretamente a verdade que traduzem, perfeita síntese tão fácil de lembrar.

Queria fazer deles um poema – eles bem mereciam – e talvez venha a tentá-lo um dia. Mas não quero arriscar que por vaidade acabem esquecidos, não-compartilhados com os outros. Melhor soltá-los no ar, como passarinhos. Certamente irão alegrar a manhã de alguém, tão sonoros são, tão luminosos.

E que um poeta melhor os tome para si e faça deles a semente de onde nascerá o poema tão desejado. Não serão menos meus por isso.

Agora os versos já cumpriram a função mais necessária de me inundar de uma calma cheia de alegria. Não mais me esconder atrás da dor tem sido minha meta principal, ainda que talvez venha com certo atraso. “E daí?”, me previno contra mais essa forma que a angústia do tempo aprendeu a tomar.

Paciência tem sido o meu remédio. Seu princípio ativo se resume na palavra “sim”. E ainda que às vezes o remédio pareça me faltar, ao menos vou descobrindo que posso fazê-lo eu mesmo em casa, fechando os olhos e respirando com mais atenção e vagar, atento ao corpo, meu presente, o único que tenho e me dou.

“O tormento do corpo é a dor. O tormento da alma é o tempo.”

Ter pensado essas palavras, poder prová-las e sabê-las em toda sua delícia, e agora doá-las, salvou meu dia. Faço sol, muito sol, e uma brisa leve: em mim hoje, só por hoje, já é maio.

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