De volta

Está um dia lindo lá fora, sem uma nuvem no céu. Um dia quente, bom de se viver; e é o que as pessoas estão fazendo, indo e vindo em seus muitos afazeres. Expectativas, frustrações, tristezas e alegrias se cruzam indiferentes, quase incomunicáveis. É a vida de cada um, enfim. Esse tem sido o tema das minhas crônicas, esse chão comum onde vamos todos tentando erguer isso que chamo de alma, nossa aventura íntima, imune ao tempo e à geografia.

Mas um espectro nos ameaça. Parece que mais uma vez aqueles senhores de Brasília, se aproximam de um consenso. Esquerda, direita, centro; ateus, crentes, agnósticos; pilantras, pilantrinhas e pilantrões – todos encontraram uma causa comum. E nós já aprendemos que quando eles alcançam essa unanimidade algo de muito ruim está para acontecer.

Só que dessa vez é algo ainda pior do que o assalto costumeiro ao nosso bolso. Dessa vez, eles querem roubar algo mais precioso, o último e escasso elo de dependência que ainda os ata a nós, simples cidadãos que caminham nesta manhã de céu límpido.

Eles querem roubar o nosso voto. Querem transformar a eleição numa espécie de assembléia estudantil ou reunião de condomínio. Não escolheremos mais nominalmente nossos eleitos. Com o tal voto em lista será como se votássemos em imensas chapas previamente montadas, e obviamente encabeçadas, pelos caciques dos partidos. Votaremos, como eles já aprenderam a repetir malandramente, “nos partidos” – como se houvesse diferença entre eles! Coisa que o próprio consenso em torno do roubo do nosso voto se encarrega de desmentir.

Até agora nossa única arma contra esses senhores era o voto nominal – o nosso poderzinho de, a cada quatro anos, não renovar o mandato daqueles que se revelam tão obtusamente corruptos e incompetentes a ponto de se sobressair entre seus iguais.

Parece pouco e é pouco, mas não é à toa que a taxa de renovação do Congresso sobe a cada pleito. O que ao menos vinha atrapalhando as intenções dinásticas dessa gente.

Ora, isso tinha que acabar! Já é tempo da corrupção no Brasil alcançar um nível mais estável e profissional. Os caciques da política não podem mais deixar na mão dos escalões mais baixos a complexa arte da corrupção. Eles precisam da tranqüilidade do voto em lista para não serem mais punidos sequer nas urnas – uma vez que a impunidade judicial é garantida.

É urgente que os caciques partidários possam assumir às claras seu papel no comando dessa poderosa máquina de fazer milionários com o trabalho alheio! Para isso é fundamental o voto em lista.

Arrisco dizer, simplórios brasileiros que hora passeiam fechados em si mesmos sob este magnífico sol de outono, que o voto em lista fará a corrupção no Brasil alcançar escalas impensáveis. Em pouco tempo, haverá fazendas de criação de gestantes de uso exclusivo do cacicado e as cuecas serão usadas por cima das calças com o mesmo despudor dos super-heróis!

Nem a ditadura militar ousou tanto! Finalmente, depois de cinco séculos de história, estaremos de volta à taba. Que Tupã tenha piedade de nós!

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