Sem despedidas

Eu não perco mais tempo me defendendo, eu simplesmente vou embora. Não é covardia, é estilo. Até porque nunca fui um valente. Só briguei por desespero ou para defender os outros. É raro, mas ainda me acomete a tentação de comprar barulho alheio. Acho que li histórias em quadrinhos demais e vi muita Sessão Coruja. O gesto heróico ainda me tenta. O sacrifício. O amigo do mocinho que morre no final para salvar os outros. Não me tornei insensível à injustiça, mas cansei. Minha vida agora é um filme sem protagonista. Uma seqüência de histórias emendadas por reflexões vagas e genéricas sobre o sentido da vida. “Tout droit, monsieur. Tout droit!”, gritava a velhinha parisiense para me indicar onde era a lavanderia – há tanto tempo que até parece uma outra vida…

Não tenho mais nada a defender. Eu? Outros terão motivo de se vangloriar. Para mim, eu é só uma péssima lembrança. Arrependimentos? Isso é para quem tem dúvidas. Eu, de fato, nunca cri. Desde muito cedo, foi sempre tarde demais. Culpa e impotência, crime e castigo – e quase morri disso. O tempo restante foi o caminho inverso. Até que tudo desse “igual a zero” – e aqui estou, redondo e sem arestas por onde me possam pegar. Liso, escorregadio, maleável.

Não, eu não bebo. Não, também não. Não, nem isso… É também parei. Mas não sou um santo e se você baixar essa música eu agradeço; detesto letras lamurientas e melodias repetitivas. “Never complain, never explain” aprendi com Wittgenstein – ou Clint Eastwood? Nem lembro…. É que eles são muito parecidos, descontado, claro, certas irrelevâncias sexuais. Sim, sexo é irrelevante… É bom, mas irrelevante. Você não acha? É a idade! Espere chegar aos 50. Só o amor importa. O que é o amor? Você já tem idade pra saber… Amor é atenção. Atenção e silêncio. O resto são letras lamurientas e melodias repetitivas.

Não se queixe, não se explique. Ao menos tente. Não é fácil, mas também não é tão difícil. A solidão é mais que um remédio, é medicina preventiva e alimento funcional. Olhe à volta: é mais fácil amá-los à distância ou um de cada vez. Para isso, basta ouvi-los – com atenção e silêncio. Serão gratos – por algum tempo, ao menos. Depois, esquecerão. Somos assim, volúveis. Eu também, claro. E você idem.

Saber isso, tão pouco, já me humilhou. Hoje me acalma. Por isso, já nem me defendo. Prefiro sair, furtivamente, sem despedidas. Sempre em frente – é o sentido da vida.

1 Comentário

  1. Antonio,já nem reluto mais, querendo ou não, tendo tempo ou não, ler você já se incorporou aos dias.Me parece engraçado, escrever “ler você”…mas você entende, gosto de acreditar que o texto já estava na gente antes de ser escrito.Quanto ao texto, você diz que sempre em frente, é o caminho da vida..É verdade, costumo dizer que na dúvida, caminhe pra dentro.Até…

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