A sandália fujona

O menino se chama Timothy, deve ter uns nove, dez anos e é branquinho, branquinho. Não nesse tom aperolado que nos acostumamos a chamar de branco. Branco mesmo – como uma nuvem. Coisa até engraçada de se ver. É americano e como sua mãe é brasileira, fala português com sotaque.

A brancura, agravada pela magreza e a postura um tanto encurvada que lhe cava um buraco no peito, lhe dão uma aparência frágil, mas há um brilho esperto nos olhos que contrasta com esse jeito um tanto atrapalhado.

No meio das outras crianças ele parecia perdido às vezes e talvez apegado demais à mãe. Afinal, não era só um estranho, mas também um estrangeiro, o que só conferia nobreza ao seu sincero e assustado esforço de se enturmar. Mesmo assim, vira-e-mexe, lá estava o Timothy sozinho à procura da mãe, arredio às ofertas de atenção dos outros adultos.

Por tudo isso, logo simpatizei com ele. Não por bondade minha, e sim por identificação com essa fragilidade cheia de bravura. Estou longe de ser um sujeito indefeso, mas me sinto mais próximo dos fracos, dos frágeis, dos perplexos do que daqueles que parecem fortes e bem ajustados ao mundo.

Éramos um grupo grande e, à noite, estávamos na praia, ao redor de uma fogueira quando Timothy anunciou que perdera um pé das sandálias havaianas. Ninguém pareceu se preocupar muito com o fato. A dificuldade de encontrar uma sandália àquela hora se opunha ao seu pouco valor e à grande chance de, na manhã seguinte, alguém dar de cara com ela.

Só para o Timothy encontrar imediatamente a sandália parecia uma questão vital. A princípio, as crianças fizeram da procura mais uma brincadeira. Depois de um tempo, acho que só mesmo o Timothy continuava procurando silenciosa e obstinadamente a sandália. Até que sua mãe anunciou:
– Bom, Timothy, vamos fazer a última busca. Se a gente não achar agora, você vai dormir…

A intimação animou as crianças que ainda estavam por ali e lá foram eles, liderados pela mãe desesperançada, atrás do pé de sandália fujão.
Senti um aperto no coração pelo Timothy que iria dormir sem a sandália. Então, do nada, uma intuição me brilhou no espírito: “Levanta que você vai achar a sandália.”

Menos por ceticismo do que por preguiça, ainda vacilei um instante, aconchegado ao fogo na areia macia. Mas, obedeci: levantei e fui. Ia devagar, os olhos apurados, esquadrinhando a areia. De repente, tropecei em algo e já ia seguindo quando me dei conta que pelo jeito que a coisa me enganchara no pé tinha tudo para ser… a sandália! E era! A sandália me achara!
Troquei a sandália por um abraço apertado do menino branquinho como uma nuvem e ainda ganhei de presente um novo amigo, esta crônica e um pouco mais de fé.

1 Comentário

  1. Mandou bem, meu velho… eu, quando garoto, perdia chinelos à proporção de um por semana, pra desespero da minha mãe e ardência das minhas orelhas. Abraços

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