O homem que comia não

(final)
Recapitulando: Jair, desempregado há dois anos, descobre que por alguma razão desconhecida passou a se alimentar de nãos. A cada não, vai tomando conta de seu corpo uma sensação de saciedade e há mesmo dias em que volta para casa como quem chega de um banquete. Logo Jair se torna um degustador de nãos, descobrindo sabores e sustâncias diferentes nos nãos que recebe. Uma noite em que não consegue dormir de tanto não que comera, ele tem uma idéia que lhe parece brilhante: no dia seguinte iria almoçar não em um banco! Quase perdeu de vez o sono imaginando a fartura e a variedade de nãos que um banco teria a oferecer a alguém como ele.

* * *
No outro dia, às dez em ponto, lá estava Jair na porta da agência de um grande banco. Vestia sua pior roupa, mas não chegava a ostentar miséria e a barba por fazer até lhe acrescentava um ar moderno e casual. Tudo estudado para despertar no gerente um sentimento que oscilasse, indeciso, entre dois finíssimos temperos de não: a polidez e o desprezo.

Passou sem problemas pela porta giratória, procurou o espaço da gerência e foi se encaminhando devagar, para se fazer notado. Havia um grupo de mesas, mas a única sem cliente era a de uma moça loura, bonita, que não devia ter mais do que 30 anos. “Não de mulher é mais gostoso”, pensou consigo mesmo.

Sentou-se e encarou a gerente:
– Bom dia! Quero abrir uma conta!
– Muito bem! O senhor já é nosso cliente?
– Não.
– Já trabalha com outros bancos?
– Não.
– Então eu vou precisar de alguns documentos seus… Coisa simples. Comprovante de renda o senhor trouxe?
– Não. Na verdade, nem tenho.
– Ah, o senhor é autônomo…
– Não! Eu sou desempregado…
– Ah, sim…
– Sim?
– Bem, o senhor tem poupança?
– Não!
– Quer abrir uma? É fácil…
– Não, não! Eu quero uma conta…
– Que bom! Assim que o senhor reunir condições para isso, será um prazer tê-lo como cliente…
– Ah, não!
– O senhor não quer?
– Não! Claro que não! Eu só quero…
Jair percebeu que a cada não que a moça lhe arrancava ele se sentia mais fraco. Estava ficando frio e um leve tremor lhe percorreu o corpo. Era fome.
– Tudo que eu quero é um não… Um, não, vários!
– Como assim?
– Um não! Não! Entende? Não!
De repente, o desespero e a fraqueza lhe inspiraram.
– Se eu lhe convidar para passar a noite lá em casa hoje, o que você responderia?
A gerente arregalou os olhos e em seguida fez um sinal discreto com os dedos. Jair ainda insistiu “Quer dormir comigo esta noite?”, mas um dos seguranças já estava ao seu lado.
– Queira me acompanhar, senhor.
– Não! Jair gritou e o que lhe restava de força se esvaiu. Sequer resistiu quando o rapaz o levantou quase carinhosamente pelo braço e o conduziu até a porta. No caminho, revirando os bolsos, encontrou uma nota amassada de um real e mais algumas moedas. “Deve dar pra um salgadinho”, pensou quando se viu na rua.

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