O silêncio dos domingos

Usa-se muito a expressão ano sabático para designar um ano – ou uma temporada mais longa – que o sujeito tira para descansar. O termo sabático, relativo ao sábado, é uma referência à tradição judaica do sabbath ou dia do descanso, quando os devotos do judaísmo não fazem rigorosamente nada. Como Deus no sétimo dia, eles descansam. Ou melhor, recolhem-se – num estado de austera poesia, presumo.

Na linguagem comum, a expressão ganhou o sentido mais ameno de um dolce far niente, onde todos os dias são sábado. Pois, eu não. Eu, se pudesse, escolheria um ano dominical, onde todos os dias fossem domingo.

Nada contra os sábados. Mas os sábados são dias muito longos e coletivos. Os sábados começam na noite de sexta-feira e se estendem até a manhã de domingo.

O domingo mesmo só começa quando o sol se assenta no céu, lá pelas seis, sete da manhã. Até então ainda é sábado – o feitiço, a ilusão do sábado – que, para muitos, dura até que o cansaço convença o corpo de que não há mais sábado para ser. Só então, quando o sábado, frustrado ou triunfante, consuma sua renúncia, o domingo mansamente inaugura seu vasto e minucioso silêncio quase desabitado de gente.

É esse silêncio que eu quero para mim um ano todo. Ou que durasse só uma semana; ou três dias que fosse de um domingo puro, sem a expectativa da segunda-feira. Porque o único defeito dos domingos é haver segunda-feira.

Fico imaginando um tempo assim não para buscar grandes conclusões definitivas, mas apenas para mergulhar nesse silêncio dos domingos sem esperar nada além de uma paz que fosse se alongando até se tornar uma coisa íntima, sem palavras ou propósitos.

A risada de uma criança, o latido de um cão, o canto dos passarinhos nas gaiolas, a respiração de alguém muito querido, o estalar das madeiras da casa, o jazz ouvido por algum vizinho, o ruído do teclado, a levíssima brisa, o súbito sudoeste, a chuva, o motor potente de um raro caminhão fazendo tremer os vidros, alguém que ensaia os toques do berimbau, um telefone que toca sem que ninguém atenda, a página virada de um livro, o resfolegar das máquinas, o rodar das engrenagens, o andar entre as folhas das amendoeiras, a água correndo na sarjeta… E as palavras, às vezes frases inteiras! – colhidas no ar, ainda úmidas. Enfim, a vigorosa singeleza da música do mundo, só no silêncio de domingo.

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