Minínimo

Você acena para mim do alto de sua torre e em meu corpo se instala um sentimento sinuoso que se espalha e me entorpece. Fico ali, sob o sol amornado pelo vento que farfalha nas folhas secas dos velhos oitis, acenando de volta, discreto e comovido como se me despedisse de alguém prestes a partir num improvável zepelim. Falamos pelo celular, mas os celulares de modo algum substituem a telepatia. Talvez os gestos, que na distância mais adivinhamos do que vemos, sejam o que restou dessa forma esquecida de intimidade. As palavras, tão triviais, vão com o vento, mas o que importa é a indisfarçavel emoção que as colore. As minhas são azuis. Quisera poder pintá-las de laranja, mas lido tão mal com essas tintas que é melhor nem tentar. Azuis… E meus dedos dedilham no ar mais um aceno como se estupidamente quisessem tocar no vento uma melodia doce e triste como eu parado ali, sem querer ir embora, sem saber ficar.

Sim, se fosse tudo isso um sonho, seria um zepelim e não o prédio a abrigar sua varanda no último andar. E eu ficaria ali, no cais imaginário onde ancorei talvez para sempre minha alma, a acenar as infinitas despedidas a que me sinto condenado. Feliz por você, porque serão sempre mais felizes os que partem – e essa é a felicidade dos que ficam, saber que são mais felizes os que partem. Aceno para você e ficaria ali acenando até você sumir no horizonte, diminuindo lentamente até ser engolida pelo céu e restar em mim como algo tão incerto como um sonho. E ainda assim ficaria ali depois, imóvel cais que sou, à espera e hesitante.

Mas, as palavras, sempre elas, me despertam de volta para a vida, incessante e breve: há que seguir em frente rumo a desimportância inadiável das tarefas que me aguardam. “Que nos aguardam”, eu gostaria de dizer, mas como posso falar por você? E alguma vez terei podido? Aceno de novo, timidamente, como quem tenta agarrar-se ao vento e deixo-me ir, levado pelas minhas próprias pernas.

Você entrará de volta para aconchegante penumbra de sua casa e eu retomarei meu passo apressado avenida adentro. E o quadro (você no alto, magnífica, e eu, lá embaixo, tão pequeno, tão minínimo) se desfará no ar como um zepelim tragado pelo céu. Circulos, perfeitas espirais, vida que segue… E esta crônica, devo confessar, é só a tentativa ingênua e torpe de comover você e parar o vento.

5 Comentários

  1. É a crônica toda, mas eu já disse algum dia farei a coletânea dos seus parágrafos imperdíveis …”E meus dedos dedilham no ar mais um aceno como se estupidamente quisessem tocar no vento uma melodia doce e triste como eu parado ali, sem querer ir embora, sem saber ficar.””E eu ficaria ali, no cais imaginário onde ancorei talvez para sempre minha alma, a acenar as infinitas despedidas a que me sinto condenado.””você no alto, magnífica, e eu, lá embaixo, tão pequeno, tão minínimo”Parabéns pelo novo Café, Antonio! Laura(lendo todas as crônicas de fevereiro em 25 de março às 0:25 rs)

  2. É perfeito, é tão perfeito. Essa sensação maluca de ir embora (e nunca tinha pensado na felicidade dessa maneira, de quem fica/quem vai), é tão misturada. Some-se a isso um medo danado (ciente e inconsciente) de repetir o passado, de sofrer, de amar tanto…Também adorei-a.Brigada, escritor…um bjo.

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