Um menino

Procura-se um menino. Ele tinha dez anos em março de 64, quando deu as caras numa crônica de Rubem Braga, tentando comprar um dos passarinhos do cronista. Ele entendia do assunto e já sabia negociar. Não se interessou pelo coleirinha, mas conseguiu que Braga lhe fizesse o curió por seis contos e o melro por oito, depois do cronista pedir dez por qualquer um dos três. Mas “sem gaiola”, bateu pé.

Estavam os dois na praia, O texto não diz, mas imagino que o diálogo se deu na beira d’água quando o cronista se preparava para um mergulho. O menino chegou como quem não quer nada e ficaram os dois lado a lado, medindo o mar, até que o menino puxou conversa. O diálogo foi rápido, preciso, falsamente casual: exatas 20 perguntas e respostas curtas, com duas ou três pausas , sem que talvez os dois tenham se olhado senão de soslaio. Fez bem o menino. Sabidamente, Rubem Braga não era um homem loquaz e tampouco apreciava a loquacidade.

No fim, depois de conseguir tudo que queria como um maduro negociador de passarinhos, o menino de súbito se tornou menino outra vez: fez outra pausa, desta vez mais longa e teatral, virou-se para o cronista e perguntou: “O senhor não me dá um passarinho, não?”. E nem esperou a resposta: correu para o mar ao encontro da irmã que lhe acenava da água.

Bem, daí em diante tudo é mistério. Terá Rubem Braga dado um passarinho para o menino? Ou mesmo lhe terá vendido um? Com gaiola ou sem gaiola, afinal? Ah, sim! E o nome do menino? Sabemos que é filho de um amigo do cronista e nada mais. A esta altura só mesmo o menino poderá responder. Mas onde andará o menino?

O menino da crônica, se tudo lhe correu bem, hoje é um homem de 54 anos. Nem por isso as perguntas cessam. Terá casado? Eu imagino que sim. Terá sido feliz e ainda estará com a mesma mulher? Seria bonito se fosse assim, mas um personagem de Rubem Braga, mesmo real, tanto tempo casado – não sei, não…

Enfim, terá tido filhos?Se casou, teve filhos, certamente. E se não casou também. Sim, filho é certo que teve. Mas quantos? Homem, mulher, um casal? E o que terá feito da vida? Qual sua profissão? Tinha jeito de comerciante, mas pode ter se formado economista, arrumado um emprego público, quem sabe, quase tenha sido ministro…

E o mais importante: ainda gostará de praia e passarinhos? E de crônicas será que gosta? E da tal crônica, uma das duzentas preferidas do próprio autor, será que ainda se lembra dela? Talvez tenha um exemplar com dedicatória da primeira edição de “A traição das elegantes”, coletânea onde a crônica saiu depois republicada, e às vezes a exiba aos amigos mais céticos que não acreditam que ele seja mesmo o menino da crônica.

Sim, porque esse cinqüentão, que talvez nós nunca venhamos a saber quem é, bem lá no fundo sabe que será para sempre o menino que gosta de passarinhos e de praia eternizado por Rubem Braga. Nos piores momentos da vida – e eles sempre vêm – isso certamente lhe será um consolo.

Enfim, são tantas as perguntas – e cada vez mais ínfimas e minuciosas – que é melhor parar, pois nem espaço haveria. Mas procuremos, procuremos por aí, leitor, perguntando a amigos e vizinhos, quem terá sido esse menino. E quem descobrir, me conte.

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