O país da mentira

Mente-se descaradamente no Brasil. Mente-se no atacado e no varejo. Mente o camelô e o presidente. Mente-se por amor, por preguiça e comodidade, por vingança. Mente-se sobre o passado, o presente e o futuro. Mente-se sobre as mentiras já mentidas e desmente-se com novas mentiras as mentiras já contadas. Há a mentira sorridente e a mentira indignada. A mentira arrogante e a mentira humilhada. A mentira juridicamente fundamentada e aquela dita de improviso. Mente-se sem querer, pensando-se dizer a verdade, e mente-se apesar de toda a impunidade, pelo simples prazer de mentir.

Mas eu mentiria se dissesse que nunca se mentiu tanto na história da humanidade – não sei, ninguém sabe. O que vejo e ouço é que se mente no Brasil já sem temor ou decoro, contando inclusive com a cumplicidade dos enganados. Acredito que se minta tanto porque a mentira é sempre uma expressão de desprezo pelo outro. E no Brasil, desprezar é poder.

(Olhe à volta… O que você sente pelas pessoas ao redor? O que elas sentem por você? Vamos lá, diga. Mas, não minta…)

Agora mesmo, cumpre-se o dever cívico de mentir porque é tempo de eleição. E se não mentissem os candidatos – sobre o que fizeram e não fizeram, sobre o que farão e não farão – quem votaria neles? Por isso concorrem para ver quem mente melhor, com mais graça e descaramento, com mais lógica e fervor.

Mente-se à direita e à esquerda sobre a História remota ou recente. Agora mesmo, a direita mente quando diz que precisou mergulhar o país numa ditadura para combater o terrorismo comunista. Mentira! Inglaterra, Itália, Alemanha, Israel enfrentaram grupos terroristas muito mais poderosos – IRA, Brigadas Vermelhas, Baden-Mayenhof, OLP – e nem por isso se tornaram ditaduras.

E a esquerda mente quando diz que pegou em armas para lutar pela democracia. Mentira! Lutava para implantar no Brasil outra ditadura – a ditadura do proletariado. E lutava entre si para decidir que modelo de ditadura seguiria: o cubano, o albanês, o soviético, o chinês? O futuro tinha formas incertas, mas uma coisa sabíamos: a democracia – essa que tempos agora, a tal democracia burguesa que todosjuram mentirosamente amar – era algo desprezível e superado. Isso eu – e qualquer outro garoto de ginásio – sabia. Éramos todos revolucionários – não importa se militantes heróicos ou meros simpatizantes. Só por isso a mentira que a esquerda nos conta hoje soa mais desagradável. Metiam antes ou mentem agora? Mentem sempre, como todos.

Por isso sou favorável que se revise a tal Lei da Anistia. Mas que a revisão valha para todos – terroristas e torturadores, esquerda, direita e todos que de algum modo conspiraram e atentaram contras as liberdades individuais e os direitos humanos. Vai faltar cadeia para tanto mentiroso.

* * *

Eu tenho uma tese: toda vez que os brasileiros acumulam energia para se erguer e divisar e olhar mais longe, logo aparecem os militares (com e sem farda) e os militantes (de todos os matizes) querendo impor ordem e igualdade a essas explosões de liberdade e criação. Foi assim em 64, em 85, e agora, de novo, lá estão eles disputando quem nos fará cair de quatro mais uma vez. Esquerda e direita são só nomes que eles se atribuem – porque, na essência, são todos tiranos da mesma cepa.

Leave a Comment

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.