Margaridas

Você chegou com elas de surpresa, numa tarde ensolarada de sábado. Uma braçada de margaridas amarelas muito vistosas, acomodadas num vasinho de barro. Rimavam, luminosas, com você e a tarde. E assim passamos as horas, nós dois e as margaridas, até o sol se pôr preguiçosamente, levando você. Ficaram as margaridas.

Nos primeiros dias, as tratei com um carinho formal, quase burocrático. Era simples: bastava alimentar de água o pratinho improvisado sob o vaso e só, você dissera. Mas, numa manhã, achei as margaridas um pouco pálidas e resolvi colocá-las próximas do sol, que nesta época do ano inunda meu quarto quase o dia todo. Subi a persiana e as deixei lá, tomando luz, mantendo o pratinho sempre abastecido de água. O resultado foi imediato: me emocionou o vigor com que elas reagiram a essa simples combinação de água e luz, a beleza que me devolviam em troca dessa atenção tão fácil que eu lhes dava, o poderoso amarelo que irradiavam pela casa.

Passei a repetir esse ritual todos os dias e então aconteceu o imprevisto: quase sem me dar conta, fui me afeiçoando a elas. Não foram poucas as vezes que me peguei as admirando de longe, com ar de distraído encantamento. Elas me lembravam você, é verdade. Mas o que não me lembra você, afinal? A felicidade é sempre comovente e as margaridas estavam felizes, amarelamente felizes.

Acredito que, por tudo isso, só agora, quase vinte dias depois de você trazê-las, é que elas começam a dar sinal de que irão morrer. Ou melhor, fenecer – porque flores não morrem, fenecem. Por quase vinte inacreditáveis dias, as margaridas reinaram solares em minha casa. E eu me afeiçoei a elas. E acredito piamente que elas se afeiçoaram a mim – ou não teriam durado tanto. Agora, mal começam a se despedir e eu sinto já saudade delas.

Claro, posso comprar outras – e tomar o cuidado de não tratá-las de modo a fazê-las durar tanto. Mas essas… Mesmo que haja outras, sentirei falta do seu silêncio amarelo. Sim, talvez seja isso. Sem que eu esperasse, essas margaridas que você trouxe me ensinaram o valor do silêncio luminoso das flores. Assim como você tem me ensinado – sem que nenhum de nós pudesse jamais supor – o sentido do amor – tão simples, tão exato, tão verdadeiro. Quando digo “amo você” é como se dissesse, por exemplo, “chove” – pois sinto no corpo as gotas que caem do céu e a ninguém ocorrerá perguntar “o que é chover?”. Quando digo “amo você” isso não é um peso ou uma exigência. Isso não é sequer uma declaração de amor. É apenas a perplexa e humilde constatação de que algo mudou em mim minuciosa e profundamente. Então tudo que eu posso sussurrar ou escrever em letrinhas bem miúdas que só você se interessasse em ler é “obrigado” – pelo amor e pelas flores, essas duas formas do silêncio.

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