As meninas

– Sorvete não, amor!, disse uma voz feminina logo atrás de mim na fila do caixa dirigindo-se a uma menina graciosa que faz cara e voz de criança resmungona diante da geladeira da loja, um pote de sorvete nas mãos.

– Mas eu estou tão magrinha…

– Tem muita fruta em casa…

O rapaz a minha frente, cabelos cortados curtos o bastante para serem arrepiados com gel, volta-se para trás à procura da voz num movimento de cabeça lento e ostensivo, a cara amarrada no que acredito seja sua melhor expressão de desprezo. Encontra outra menina, mais magra e nem tão bonita, mas igualmente jovial, de cabelos curtos pintados de uma cor entre o laranja e o ruivo. Ela o ignora, não sei se por não vê-lo ou simplesmente por não caber em si de felicidade: está apaixonada e não tem olhos senão para seu amor.

A outra volta para fila sem o sorvete e reparo que tem na mão uma panelinha de ágata branca.

– Onde você achou?, eu pergunto.

– Lá em cima…

– Estou procurando uma assim faz tempo! A minha perdeu o cabo…

Explico que o cabo se descolou do corpo da panelinha talvez por conta da contínua exposição ao calor.

– Eu usava pra fazer café…

– Essa é pra cera…

Confesso envergonhado que na hora pensei que elas estivessem fazendo velas em casa ou algo assim. (Foi preciso que você explicasse que mais provavelmente a cera teria outra finalidade. Será? Ainda assim continuo incrédulo diante de tanta naturalidade…)

Mas na hora apenas sorri sem malícia nem embaraço – e ficamos falando sobre cabos e panelas. As meninas, tão felizes de seu amor, tão encantadas de si mesmas, tão transbordantes estavam que seriam capazes de falar com paixão sobre qualquer assunto.

Talvez ao rapaz faltasse quem lhe chamasse de amor. Seu mal talvez fosse o tipo de solidão a que se destinara. Somos o que fazemos de nossa solidão. Ciúmes ou inveja, autopiedade ou rancor, compaixão ou desprezo são os extremos de uma escala cujo ponto de equilíbrio é a simples aceitação de si e dos outros a cada momento da vida.

Enfim, o rapaz desfez-se entre os caixas enquanto nós três falávamos imersos numa aura de mútua simpatia.

– Sabe de uma coisa? Guardem meu lugar que eu vou dar um pulo lá em cima e pegar uma panelinha dessas! 

– Acho que ainda tem uma!

Corri e encontrei a última panelinha branca. Junto dela e lhe fazendo par havia outra, semelhante a uma jarra pequena, com bico e asa, simpaticíssima. Comprei as duas e ainda voltei a tempo de não perder meu lugar na fila.

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