Domingo

Começou por abrir as janelas, todas, para que o ar circulasse, úmido, impregnando a casa do cheiro da chuvinha delicada que caía lá fora desde cedo. A vizinhança aconchegara-se ao domingo, mansa e quase silenciosa; era preciso apurar os ouvidos para capturar o rumor longínquo de uma balada triste, o alarido de vozes mais animadas ou o barulho de ônibus e carros que às vezes passavam, ora longe, ora perto. Mas todos esses sons vinham aos pedaços, sem que nada chegasse a fazer algum sentido. No céu, as fragatas rondavam à espera de ventos mais promissores, como ele mesmo espreitando palavras que lhe inspirassem uma crônica.

Ela lhe ensinara que não era “gaivota”, mas “fragata” o nome certo daquelas aves marinhas que diariamente passavam sobre seu prédio de manhã cedo e no final da tarde, planando em bandos, indo e vindo na direção do mar, tão conhecidas suas, mas tão pouco íntimas. Resignava-se a acompanhar seu vôo com o olhar encantado e displicente e prometer-se um dia saber tudo sobre seus hábitos. Riu-se: promessas adiadas o faziam sentir-se ao mesmo tempo mais humano e carioca…

Enquanto escrevia, as fragatas encontraram o rumo do vento e sumiram da paisagem, lhe deixando um céu vazio e cinza, monótono e igual, mas nem por isso menos belo. De madrugada, pensara ler o que lhe pareceu um recado muito claro de um vento calígrafo, escrito com a tinta branca das nuvens no azul noturno do céu: “De manhã, prometo sol. À tarde, já não sei…”. E assim, voltou para cama animado com a idéia de ir à praia bem cedo. Mas o vento, sempre tão volúvel e plural, desmentiu-se e o dia amanheceu nublado. Viu nisso um pretexto para sentir-se sem assunto e relaxou… Procurou algum texto inacabado e andou mesmo relendo outros bem antigos, que pensava nunca ter publicado… Mas, a verdade é que o passado não lhe apetecia. Ainda que nada tivesse a dizer, haveria a modesta riqueza do silêncio, esta simples narrativa de um domingo gostosamente sem cor e quase mudo vivido na solidão sem abandono de quem se descobre incompleto, mas satisfeito – modestamente satisfeito por sentir o que sente e pensar o que pensa. “Tenho meu corpo e o meu silêncio; tenho o amor ambíguo de uma mulher (porque assim é o amor); tenho a vaga amizade de uns e a profunda amizade de poucos (porque assim é a amizade)”. Bastava.

O céu engrossou-se de nuvens em sutis variações de cinza e outras fragatas voltaram a rondar aflitas. Não se perguntou de onde vinha o inconfundível cheiro de rosas que pensou sentir no ar mais frio da chuva que se anunciava, vinda do sul.

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