Mar de dentro

Debruçado na mureta de pedra, assistia as ondas rebentarem com violência contras as rochas lá embaixo. Tudo tremia a cada impacto e o fragor era apavorante, mas a névoa delicada de gotículas frias e salgadas que subia do mar e envolvia seu corpo o acalmava. De novo, mais uma vez, como sempre de tempos em tempos, quando menos esperava ou menos gostaria, a angústia se instalara, igual, sem novidade. Não há novidade na dor. Nem nas dores esperadas e inevitáveis da vida, nem naquela dor tão particular, tão sem palavras. Não havia aonde ir, nem a quem recorrer. Sentia-se melhor ali, entre anônimos, sob o vago risco de ser arrastado por uma onda malévola. Sentia-se melhor ali, exposto à brutalidade e à delicadeza do mar ambíguo como a vida, como ele mesmo. Havia o cheiro e o sabor do mar, o som furioso das ondas, o tremor sob seus pés, o frescor da névoa em seu rosto, os sentidos todos alinhados por força da atenção exigida pelo mar primordial e terrível. Não havia lugar ali para dor ou angústia. Sim, ali era possível morrer – por acaso ou por vontade própria. Bastava um gesto impensado, um ímpeto ou uma distração. Só ali era possível sentir o quanto de fato se quer viver.

Ele queria viver. Ele queria muito viver. E sentia que iria querer viver até o último momento de sua vida. Até o último momento ele enfrentaria sua dor à espera que, como as ondas, ela se desfizesse numa névoa de ternura. Ele lutaria até que esse equívoco a que chamava “eu” se dissolvesse inteiramente e ele fosse então apenas vida, pleno dos poderes que apenas ao Homem foram confiados. Sagrada então se tornava sua dor – por trazê-lo até aqui, a este momento de silencioso e solitário júbilo. Pouco importava se de fato ele estivesse irremediavelmente perdido aos olhos alheios, se para ele não houvesse mais solução, condenado a para sempre repetir os mesmos erros… Melhor assim: significava que ele então já ingressara no âmbito do Milagre.

Escurecia. Deixou-se ficar mais um pouco, os sentidos todos a prumo, a mente já quase vazia, como se meditasse. Já era noite quando sentiu que era hora de ir.

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